sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Efeito Werther
Molhou, então, os pés no mar. E eu ali, sentado no posto onze, esperando das areias do Leblon respostas. O morcago tinha os cabelos compridos e cortados à navalha. A lua iluminou sua pele alva e o vento soprou a longa franja para longe do rosto. Logo depois os fios pretos, de nylon negro, voltaram a cobrir metade de sua face.
E eu ali, esperava das ondas paz. Elas sussuravam um cochicho mudo que o garoto parecia entender. Seus olhos escuros e rígidos feito ébano, excessivamente pintados de uma maquiagem gótica, eram fixos nas águas profundas e irritadiças. Enquanto isso minha mente flutuava pela massamorda lembrança da rotina no escritório, flertava com a secretária, caía em poços de processos e revirava todos os meus desgostos.
O menino deu um passo a diante. Reparei que suas pulseiras de dadinhos coloridos não combinavam com a figura densa, vestida de preto que as carregava. Nem tampouco o piercing cor de rosa fez sentido preso na orelha branca de um jovem rapaz. Lembrei de quando minha filha resolveu praticar motocross, um esporte tão agressivo! " Os tempos mudaram, papai..."
O barulho dos carros e de meus pensamentos me impedia de perceber o que aconteceria na noite daquele dia aziago. Os passos eram firmes em direção ao oceano. Quando seus joelhos tocavam a água salobra, ele parou e disse ao ar: "É assim que se consumam todos os votos, todas as esperanças de minha vida, todas! Quero bater, gelado e rígido, à porta de bronze da morte!"
Só então me dei conta do acontecimento insólito e tétrico que presenciava. Então assisti àquele Gilliatt lençar-se ao mar; já era tarde demais para salvá-lo.
A figura negra pulou naquela banheira de lágrimas e foi se dissolvendo. Uma mancha de petróleo se desfazia no horizonte...Afundou lentamente e o cantarolar de melodias do Evanescence parou de súbito.
rebeca
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Talvez por comoção, talvez por comodismo.
Ninguém a perturbava. Apenas continuavam a observá-la trocidar a barra de sua larga camiseta verde. O sublime prazer de explodir a linha velha. Os fiapos do tecido vistos de perto - o natural processo humano de criar o artificial e desnecessário. A banal recreação de destruir a criação humana: um crime, uma revolução silencia.
Enquanto os ratinhos passeam por debaixo do tapete, fico eu aqui esperando o que perdi voltar. Me preocupo, no entanto, em pisar nos ratinhos. Sabe alguém a cor do sangue dos ratos Campo Grandenses? Vermelho, diram as mentes mais sãs e dogmáticas. No entanto, meu ceticismo me faz questionar como seriam as manchas coloridas que eu teria em meu tapete.
Ficaria ele bonito? Estou mesmo precisando de uma cor nesta sala. No entanto, tornaria o ambiente enjoativo, com o tempo? Seria um simples alvejante capaz de tornar meu tapete novo novamente?
Podemos também negociar da seguinte forma: O primeiro pagamento em abril, de 500 reais, e mais 10 parcelas mensais de 450. Sim, descontaríamos os juros. Hm, a concorrência disse isso? Mas eles também dão garantia de um ano? Sim, compreendo. Bom, esse é o desconto máximo que podemos oferecer. Mas ainda podemos compensá-los oferecendo-lhes alguma forma de brinde. Acompanhe-me até a seção de eletrodomésticos, sim?
Não, espátula, já disse que não vivemos em um hospital, vivemos em uma cozinha. É, a cozinha, o ambiente onde os alimentos são manipulados e modificados. O quê, salvar vidas? Hahaha, não, não, essa não e nossa função. Não se sinta mal, também somos úteis à humanidade.
Como, o que disse? Não, não se sinta mal... Você decora bolos, e bolos fazem mal à saúde das pessoas, sim, mas também as tornam muito felizes!
Não, você não está matando ninguém... Não, não está... Páre de chorar, espátula!
A costura era desfeita, o verde da camiseta se espalhava subitamente pelo tapete. Uma mulher gorda infartava na seção de eletrodomésticos. No fundo, eu só queria entender a relação entre fatos quaisquer. Pisei nos ratinhos para descobrir.
De nada me adiantou.
Dra Manoela.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Às 14horas, no domingo, a loucura.
urgência... Meus filhos estão bem, obrigada por perguntar. Paulinho fez aniversário ontem - mandarei suas conratulações, sim, sim... Acredito que tenha sido esse o problema, doutora.
O quê?! meu filho estar ficando mais velho? não a idade não me assusta... Não, também não houve imprevisto na festinha que organizamos. Acontece que - a doutora deve lembrar - minha avó morreu há alguns meses. Claro que j´superei, doutora... Não pensei, porém, que sentiria os efeitos colaterais dessa perda tão logo. Explico, explico. Estou chegando lá!
Desde criança, minha avó Mariazinha fazia os bolos dos aniversários. Passávamos dias escolhendo o sabor, íamos com ela ao supermercado, comprávamos os ingredientes, batíamos as claras, contávamos o tempo de forno. ontem, como ela não estava entre nós, encomendei um bolo de confetes naquela confeitaria ali na esquina. Sabe o que eio escrito na ciaxa?! Bolo da vovó! Que desaforo!
Por Deus, doutora, máquinas conceberam aquela torta! Quanda audácia compará-las à Vó Mariazinha... E foi isso, doutora, que me deixou inquieta ontem. mas, hoje, logo cedo pela manhã, foi a gota d'água. Fui ao Mercado de Lisboa, aquela vendinha perto de casa, que vende o melhor pão da cidade. Chegando lá, Seu Joaquim disse que não fazem mais francês. Ofereceu um pão congelado de uma marca, uma tal de Ss.. Sss... Não lembro o nome da desgraçada!
E é por isso que queria conversar com a senhora, doutora manoela. Porque o capitalismo e impertinente demais! Tirou o amor do tempero do bolo de confetes e roubou do português o pão francês! Não sei se os remédios irão segurar quando eu vir por aí uma rosca da fazenda feita em plena São Paulo! Ou quem sabe um chá de erva cidreira natural (!) em saquinho!
Sim, doutora Manoela, obrigada por aumentar minhas doses... Mandarei lembranças ao José Carlos. Bom domingo, doutora...
Ô cride, fala pra mãe
Que tudo que a antena captar meu coração captura
rebeca
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Nosso coração está em Deus?
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo tende piedade.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo tende piedade.
Vozes e vozes se levantam aos céus: perdoai, Senhor, sei que pequei.
Os abençoados pingüins de batinas recomendam de cima do altar: orai, irmãos! Que o nosso Deus é o Deus do amor!
E as mãos se unem às vozes e aos céus urgem: Piedade, Piedade, Piedade de nós!
No clímax das preces dissimuladas, aquele que prega ordena: cumprimentai-vos, irmãos e irmãs.
A paz de Cristo.
Termina a missa, todos se vão. A velhinha desce a escada sem ajuda. O carro atravessa a rua em frente a igreja e tranca o trânsito. A multidão se esbarra e se dispersa em minutos.
A amor de Cristo nos uniu. Ninguém se despediu quando a missa terminou.
Todos pedem perdão a Deus. Mas, quem ousaria humilhar-se em vão? E pedir: perdão, irmão meu?
O perdão é o combustível do convívio. A culpa é o combustível do catolicismo. A Igreja se sustenta na piedade divina, enquando o mundo desmorona sem a piedade do próximo...
Perdoai, meu Deus, nós não sabemos o que dizemos.
Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, dai-nos a paz! Dai-nos a vossa paz! Dai-nos a paz.
domingo, 2 de agosto de 2009
Diálogo Aleatório
Maravilhada com o sistema de integração, indaguei-me, indago-me, e indago-te: é possível uma REAL aplicação prática de integrais? Digo, é possível integrar uma amizade, um amor, a confiança? É possível reintegrar um passado? É possível alcançar a plenitude do ser, integrando-se?
Y- Vejo a vida como algo fragmentado. Os fatos, as fases interligam-se, mas são meros processos transitórios. Não necesariamente desconectados entre si, mas, ao longo do tempo, a relação entre estes torna-se cada vez mais tênue...
Z- Vejo a vida como um mosaico. Uma sequência não linear de fatos que, apesar de transitórios, potencialmente prestes a voltar. Qualquer lembrança pode voltar a ser uma realidade, a qualquer momento. Um passado absurdamente distante pode tornar-se parte do cotidiano. Planos para o futuro podem inesperadamente confundir-se com o que - surpresa! - de fato, já foi vivido.
Y- Como pode a vida não ser algo linear, uma vez que o tempo é absolutamente linear? O passado que volta, volta completamente mudado, lembranças e sensações perdidas que são recuperadas nunca voltam da mesma forma que vieram.
Z- Não quando se considera as fases da vida como diferentes formas de viver. Sabe, quando olho para trás, tenho a impressão de que tive várias vidas dentro de uma só. E várias vezes elas confundem-se, desaparecem, ressurgem de forma inesperada, fazendo da minha história uma grande sopa com manchas coloridas que dissolvem-se entre si. É algo completamente homogêneo, apesar das divergências do conjunto quando visto como um todo.
Y- Pra mim isso é ponto de vista de gente desorganizada. Que relação o passado distante pode ter com algo que lhe veio aleatoriamente?
Z- Você acredita mesmo que tudo o que lhe vem sem que você se esforce para conseguir é necessario e absolutamente aleatório?
Y- Existe motivo para não ser?
Z- Não entremos em metafísica.
Y- Simplesmente não consigo aceitar a idéia de que, na vida, tudo se encaixa e faz sentido. A minha, pelo menos, é cheia de lacunas com perguntas impossíveis.
Z- Talvez você simplesmente deva viver mais, para responde-las...
Y- Ou talvez eu deva deixa-las de lado e seguir minha trajetória linear!
Z- São as respostas encontradas ao longo do tempo que me fazem ver que o passado distante tem estrita relação com o passado recente. São as perguntas feitas atualmente que me guiam para ter uma noção do que será do futuro. A homogeneidade do conjunto não se dá pelo que há no núcleo, mas nas bordas das fases. As misturas ocorrem em raros momentos, mas são estes que dão a impressão de ser o quebra-cabeça algo completo, que as peças são ganhas ao longo do tempo. Tenho a impressão de que receberei a ultima peça apenas na hora de minha morte. E assim, com o quebra cabeças completo, diante de meus olhos e à frente de minha vida, saberei que minha existencia foi plena - estou integrado.
"E assim, chegar e partir
são só dois lados da mesma viagem
O trem que chega é o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também de despedida
A plataforma desta estação é a vida."
X.