terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Desinspiração. [ou Das Perdas Humanas]

vi duas
videiras
voando
vivazes
velozes
velasquez
van gogh
bonfim
viraram
vertigem
vieram
voltaram
voaram
viveram
ficaram
sem mim
aonde
se foram
aquelas
verduras
verdes
viagens
daquele
jardim?
vitória
vagando
valendo
vingando
você já
se vai?
[eterno
querubim]
-
Maria inspirou. Maria lapidou. Maria argumentou. Maria sugeriu a postagem.
Quem sou eu para lhe negar um pedido?
Um beijo para ti!
-
Voss

Dois Esses [SS]



Talvez o que se sabe

só seja sabido sem saber

que não se sabe.

Talvez sejamos sorvetes sem coberturas

tão-somente

serenidades.

*

E talvez não seja, assim,

tão sensacional

a sensação de se sentir

sem ter,

sem saber,

sem satez,

simplesmente por não ser

sobretudo,

solitário.

*

É só. Assobio,

Serenata.

Seresta.

Sarau.

Sal,

e Sol. Espetáculo.

Sincera? Sim, será? Sei lá.

Não se sabe:

só se esquece.

Some.

*

Sente...

Sempre por amor,

somos. Sentimos. Saudades.

*

Suaves.

*

Você sabe...

... Sou seu.

-

-

-

-

-

PS: Não me recordo da data, uma pena. Mas adoro. Agradecimentos especialíssimos a dois amores de minha vida: L. e T., que selecionaram - não palpitei NEM um pouco - a foto.

-

PPS: se alguém puder, por favor, me dizer como se pula linhas aqui sem uso de artifícios - leia-se: asterisco e hífen - eu ficaria realizado! rs

-

PPPS: obrigado por existirem! =)

-

Voss.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Viver

Vim ver

o viver

em você.

Viver

via ter

vida

via ser

alma

ou via

transcen

der

a dor

se der.

Vi, porém,

apenas

viver

de versos.

Versos

que vivem

são

têm

doem

em mim

em ti

em nós.

Versos

de vida

ainda que

mal-vivida.



*



Vivam.

Como a

videira

e o vinho.

Vivam.

Como o

vocal

e a voz.

Vivam:

o poeta

e o verso.







Maria.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

De volta ao lar


Abriu os olhos: vazio. As paredes brancas do sanatório pareciam despertá-lo para o pesadelo.

Não acreditava que mais uma vez teria que conviver com as araras nos corredores, a enfermeira azul ou aquelas pequenas cápsulas de tungstênio que lhe obrigavam ingerir. Sem falar nas uvas desenhadas nas paredes. Durante a noite, elas tomavam forma de morcegos gigantes e voavam pelo alto da Capela Sistina.

Não conseguia lembrar o motivo para estar ali novamente. Que mal teria feito novamente? Ora, fora injusto confiná-lo ali pela primeira vez só por, inocentemente, ter ele brincado com as cadeiras da varanda- embora elas latissem. E pela segunda vez, por ter abocanhado o cotovelo de sua irmã mais nova.

"Desculpe, mamãe, por um momento, eles pareciam pizzas em formato de cone..."

Mas isso era passado! Já recebera alta. Estava curado. Queria apenas recordar-se do que podia ter feito de mal para receber tal castigo. O incidente com as cartas falantes de baralho, talvez? Não, não, muito inocente. A dança com os machados flutuantes? Talvez papai tenha se assustado com utensilios gastronomicos pelos ares...

Pensava, pensava. Nenhum vestígio de motivo para estar ali novamente. Estava completamente saudável e recuperado para o convívio em sociedade - apesar de, fora de casa, estar exposto a tantos olhares. Aqueles olhos pareciam mariposas em uma grande nuvem de fumaça. Mas, com o tempo, percebeu que seus olhos podiam caçá-las. Como uma capa de livro que vira uma vez, de um menino com uma redinha caçando borboletas.

De súbito, vieram. Recordações embaralhadas em sua mente cheia de fantasia finalmente pareciam bater em seu globo ocular.


Seu crime: Vender pastéis em um carrinho de rolimã.

Sua vítimas: Três abelhas - Clotilde, Madalena e Regina.

Sua sentença: Morte por sucção de DNA em uma clínica de auto-escola em Turquesa.


Então, em um momento único de sanidade, percebeu que, apesar do terror, estava onde devia estar.

"Lar, doce Lar."







Dra. Manuela.

sábado, 12 de dezembro de 2009

SMS (ou: Tratado das Felicidades Humanas.)



[Transcrito de uma mensagem que enviei para L..., não faz muito tempo.]
[Agradecimentos especiais a P..., que me ajudou a escolher a foto precedente.]
-
-
-
A felicidade às vezes me lembra uma bolha, dessas de sabão mesmo. Voa livre sobre o verde dos prados. É bela, brilhante, graciosa.

E frágil. Sempre estourando e sumindo de nossos olhos. Sempre um querendo perfurá-la com o dedo. Não faz mal: basta um sopro para tecer uma nova sensação, uma nova liberdade.

Os meus amigos, estes são o meu detergente de cada dia.
-
-
-
[Obrigado, detergentes da minha vida! Amo muito cada um de vocês!]
-
Voss

Segunda Avaliação de Cálculo II

O texto que segue é baseado em fatos reais.



Sentou-se, com aquela ansiedade quase pré-vestibulanda.
Encarou o professor, e viu seus olhos apontarem para uma pilha de folhas na primeira carteira da classe. Levantou-se, dirigiu-se à pilha, pegou sua prova e sua folha almaço.
Retornou ao seu lugar. Sentou-se novamente. Abriu a prova. Primeira questão:
1)Considerando a função dada, determine sua direção de crescimento máximo a partir de (0,0).

Sem saber o que fazer, avançou à segunda questão:
2)Considerando a função dada, determine seus pontos críticos, classifique-os, e determine seu determinante hessiano.

Outras vez, não sabia resolver o que fazer. Ainda esperançoso, partiu à questão 3:
3)Calcule a integral dada fazendo suas devidas mudanças de variáveis.

Nosso bravo guerreiro, mesmo sem saber a matéria, iniciou o processo de desenvolvimento algébrico. No entanto, não eram números que se passavam por sua mente. Vinham apenas palavras, filosofias, frustrações.
Eis, finalmente, sua segunda prova de Cálculo II:


Segunda avaliação de Cálculo II
Quer saber o que aprendi quando estudei?
Só o quanto eu não sabia, e ainda não sei.
A verdade é que ainda não me acostumei
à dura realidade da efei.
E o pior de tudo é ser forçado a aprender
coisas com as quais não terei de conviver.
Afinal de contas, as contas já deixaram de ser,
depois que algum babaca inventou a HP.
Aí pergunto a você - que provavelmente também acabou de se foder:
Cálculo II pra quê?
Pra perder noites de sono, de poker, de festa,
e o que nos resta?
Um conhecimento que pouco nos presta.
Pouco, pois é logo descartado,
assim que enxergamos a palavra "aprovado"
com nosso nome e matrícula do lado.
Mas hoje enxergo além do portal, além da semana e do exame final:
Estou reprovado, que posso fazer?
Caprichar e e passar nas aulas de DP.
E depois vou beber, me afogar num barril de chopp muito gelado, por horas a fio.
E um destilado num drink sutil, pra esquecer desse novo Brasil, esquecer de que vivi no Rio.
Hoje vivo adoidado, a cabeça a mil, suportando a dura realidade viril, por causa da grana, sucesso e mulherio, troquei o que amo por imenso vazio, viajando na prova, versando em prosa à la Gilberto Gil, a que ponto cheguei! Puta que o pariu!
-LG.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Maries Curies a terra do Carnaval

Brasil: terra do samba, das belas praias, dos biquínis pequenos em pernas bronzeadas, e da Tarsila do Amaral. Ao longo dos últimos cinquenta anos, percebemos certo contraste quando nos referimos ao mundo feminino: de um lado, amazonas armadas de conhecimento e bom-senso, na luta pelo reconhecimento de seu valor e competência; caregando a lança da independência financeira e o escudo da responsabilidade familiar. De outro lado, embora presentes em número cada vez menor, eternas garotas, independente de suas idades, que parecem se orgulhar de mostrar ao mundo o que significa o termo "mulher-objeto".
Inicialmente, nos anos 60, quando nos referimos ao processo de emancipação feminina, percebemos exemplos de amazonas como Leila Diniz e Olga Bernário nas capas de revistas, primeiras páginas de jornais. Nos dias atuais, porém, presenciamos uma luta silenciosa. Clarices Lispectors, Cecílias Meireles e Rachels de Queiroz furtivamente estudam seus livros, trabalham em seus ofícios, adquirem certo respeito, até conseguirem novos direitos, conforme vimos na criação da Lei Maria da Penha.
O indispensável para a sobrevivência social da mulher que vive no mundo contemporâneo, devemos ressaltar, é o bom-senso aliado à determinação para conquistar seus objetivos. A quebra da conduta imposta pela sociedade sobre como a mulher deve se comportar implica em consequências que nossas guerreiras devem saber assumir. No entanto, devem elas também saber ponderar se tais consequências compensam seus objetivos.
A mulher conquista seu valor e seus direitos a partir do momento em que expõe o que possui de melhor: suas idéias - e não apenas um belo corpo. É mentira dizer que toda mulher beneficiada pelas conquistas adquiridas nos últimos cinquenta anos lutou e mereceu-as. Ainda há muitas que precisam tirar as vendas do machismo e comodismo que as cegam. Contudo, de Pagu a Heloísa Helena, presenciamos uma discreta guerra que, a cada nova geração, podemos ver e dizer que valeu a pena.



De alguém que não aceita vestimenta inadequada no ambiente estudantil.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Mar brasileiro




Ó sertão semi-árido!
Quanto de sua secura hostil
São lágrimas do meu Brasil!?


Por te cruzarmos,
Quantos retirantes choraram,
Quantas esperanças em vão rezaram!


Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena (disse o poeta).


Mas nossa murcha alma seca
Carente de águas límpidas
Preenchidas de rios de dor
Não vive:
Somente sobrevive.


Gaia

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Vazio

.












































.


(E ainda costumam chamar isso de arte!)


Bertha.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Síndrome Olfatória



Abriu então um largo sorriso, correu e envolveu num abraço aquela sua querida, seu anjo da guarda de carne e osso [e plenos corações]. Como se fosse o último carinho de sua vida, como só o abraço mais sincero e [sur]real pode ser.
*
Deixou-se relaxar e sentiu em suas narinas o odor adocicado de florezinhas do campo e frutas frescas, aquele cheiro suave de brisa, de ondas de mar e de areia fina. Cheiro de Sol de primavera e Lua de outono, cheiro da jabuticaba que ele costumava comer direto do pé, no sítio dos avós. Odor do som das folhas do canavial balouçando ao sabor dos pés-de-vento, e de pedra de cachoeira, e de terra molhada de chuva, e de pássaros amarelos cantando homenagens ao nascimento de um novo dia, e de cabelo perfumado ao sair de um banho regenerador. Sentiu-se bem. Sentiu que poderia ficar ali o dia todo, o tempo todo de sua vida.
*
Mais tarde, ele acabou descobrindo que isso se chama "cheiro de mulher".
*
*
*
- Lord Vossler York, but you may call me "Voss".

sábado, 5 de dezembro de 2009

Entrando em Clima Natalino

Sobre panetones: O que seria das frutas cristalizadas sem ele?
Nunca gostei daquelas coisinhas coloridas, altamente adocicadas e de textura macia. Sinceramente, acho que são apenas frutinhas prestes a entrar em estado de decomposição que a Bauducco consegue aproveitar. Melhor ainda - é uma idéia lucrativa!
Pegar várias frutinhas semi-podres, jogar um açúcarzinho, misturar uma farinhazinha e vender por 15$ uma quantidade que não sacia nem meu café da manhã...
Gostaria de conhecer o inventor da receita do panetone. Deve ter sido algum europeu, que viveu lá pelo século 17, mas muito inteligente o moço.
Mais inteligente ainda foi o moço que pegou a mesma receita, mudou o formato da massa e chamou de Colomba: não contente em aproveitar frutas velhas, ainda deu um jeitinho de aproveitar aquele resto de massa que sobrou dos panetones - afinal, páscoa e natal tem só três meses de diferença...
Mas clima de Natal é isso aí! Se nao podemos compartilhar, ao menos nao desperdiçamos! O que me faz pensar que aquelas bananas que estao na geladeira há uma semana podem virar uma ótima sobremesa para a ceia... Hm...

Viva a vida com Humor!



Maria.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Can['t] I?



Sabe o que acontece?

Acontece que minha Rerrevolução me trouxe por caminhos inóspitos, estranhos, alheios ao que não é humano. Acontece que por esses caminhos andei dias e noites a fio, tropecei em muitas pedras, odiei muitos Drummonds e muitas Lispectors, amei outros dele e outras dela; senti que o mundo ia acabar, senti que seria muito bom se acabasse mesmo. Acontece que achei uma moedinha de prata polida no chão, e joguei-a num la[r]go pro[ ]fundo do acostamento. Acontece... que não lembrava mais o que era o futuro. E acontece que essa viagem [maluca] me trouxe a um lugar menos belo do que eu quereria num verso, e menos horrendo que eu veria num [in]sonho. E então... Aconteceu. Eu descobri várias coisas que preferia ter deixado sob os lençóis apedrejados: acontece que eu não sou "eu" [,essa massa de carne ensangüentada, sem sabor, nem cor, nem calor]. Sou ele, sou ela, você, é, você mesm[o/a]: que nem imagina que eu penso em você, e que nem imagina que eu perco noites e noites e noites e noites e (...), pensando em você, e que nem sabe que eu me importo mais com você do que com minha [in][f]útil saúde física, e que nem sabe que eu não entendo dezporcento do que se passa a minha volta, confabulando uma vida futura que [, evidentemente,] só pertence à minha fertilíssima imaginação. E que não sabe, nem vai saber, que eu te Amo. Me desculpe, mas é a mais pura verdade. Não vivo sem você. Olho mil fotos suas, mil vezes cada uma, e mil vezes não acredito que possa existir algo assim tão belo. Mil vezes sonho com você, penso em você, vejo você, e cada vez parece nova, parece a primeira, e a última [em concomitância. Estranho, não?]. Então... bem, isso era tudo que eu tinha pra te dizer. Espero que você entenda, e não se preocupe comigo, apenas saiba que tudo isso é verdade.

Um beijo, e até a próxima.

de um Garoto Apaixonado.


[Lê. Retira a folha do caderno. Rasga-a. Reescreve. Corrige.]


Sabe o que acontece?

Acontece que eu te Amo. E não vivo sem você. Por favor, entenda...

Beijo.

Garoto.


[E sua vida, enfim, faz sentido.]





(Texto do mais novo Poeta Vivo das redondezas, que ficou honradíssimo e muito feliz com o convite. Muito prazer.)

sábado, 28 de novembro de 2009

Neverland

Aquele que assim nasceu:
menino...
E de tão leve, voa! felicidade...
Não cresce, não mente.
inocente... criança.
Não morre.
Tem coragem, mas não arrisca.
Esnobe que é, ignora
os defeitos gigantes em sua capa.
Imaturo será para sempre;
Fruto de dois corações desavisados.

Nós o sentiremos sempre assim:
para sempre, Peter Pan...




Tinker Bell

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Diálogo sem propósito

-Talvez seja a vida apenas uma forma de o tempo se distrair.
-Talvez seja o tempo apenas uma ilusão criada pela vida para se organizar.
-Ou talvez nenhum dos dois.
-É. talvez seja só uma conseqüência do espaço e gravidade.
-Acha mesmo que o tempo é contínuo?
-A não ser que estejamos sob gravidade significantemente variável...
-Espero só que minha vida não tome rumos estranhos caso a gravidade venha a variar algum dia...
-Não é o tempo que dermina o seu futuro. Aliás, seria muito interessante se a gravidade variasse e o tempo mudasse de ritmo. Já pensou em que vidas extraordinárias teríamos?
-Já pensou que talvez não estejamos biologicamente preparados para aceitar uma mudança drástica como essa?
-É, mas os esporos podem ficar em estado de dormência por anos até reencontrarem condições adequadas.
-Malditas bactérias.
-É nessas horas que vemos a fragilidade do ser humano...
-É nessas horas que eu digo que precisamos mudar de assunto, pensar em algo mais útil, mudar de vida.
-Preciso mesmo mudar de vida. Libertar-me, livrar-me dos males que me aflingem, renascer.
-Que males?
-Anti-depressivos, cigarros e você.
-Não acho que vá conseguir livrar de todos esses. Não estou disposto a permiti-la.
-Tem razão. Você tem fogo?


Maria

sábado, 17 de outubro de 2009

Seda

Se der,
ceder
'cê. Dor?
Ceder:
seda,
sublime.
Ceda.

Eu não existo sem você

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você


Vinícius de Moraes

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Influências da cultura de massa

tinha uma uva no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma uva
uma uva tinha no meio do caminho
no caminho uva uma tinha do meio
meio do tinha uva uma caminho no..

A Aninha passou,
e chupou a uva.

tinha uma uva no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma uva
uma uva tinha no meio do caminho
no caminho uva uma tinha do meio
meio do tinha uva uma caminho no..


Trator do forró.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Velocidade à la primeira lei newtoniana

Somos inconscientemente levados
pela maliciosa inércia (em um movimento indiscutivelmente uniforme).
A energia, medida em joules
também é medida negativa na acomodação e na preguiça.
E a ela, ninguém (se) dá ao trabalho (força vezes distância).

A velocidade é constante.

Quanto mais lembramos informações inúteis,
versos decassílabos, a cotação da bolsa
a tal roupa mais adequada, o pagamento de tal conta
mais nos esquecemos, paradoxalmente
Quem somos? Por que somos? Como devemos ser?
Somos...?
Questões aporéticas, simples
pontiagudas como espinhos invisíveis,
macias como flocos de algodão.

A velocidade está constante.

E nesse êxtase enfurecido
a força bruta das máquinas, a pressão suspensa no estalido do revólver
um corpo caindo suavemente no chão.
Somos mais ágeis.
Nossos corações enfartados estão a mil por hora.
Nossas cabeças ardentes acumulam quilos de conhecimento morto.

A velocidade permanece constante.

Mas de que adianta chegarmos aurduamente mais rápido
Se descobrirmos crucialmente no final, confusos,
de que inegavelmente
pegamos o atalho errado?

A velocidade tende a 0.




C.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Efeito Werther

Para ler ao som de rèverie, C. Debussy.

Molhou, então, os pés no mar. E eu ali, sentado no posto onze, esperando das areias do Leblon respostas. O morcago tinha os cabelos compridos e cortados à navalha. A lua iluminou sua pele alva e o vento soprou a longa franja para longe do rosto. Logo depois os fios pretos, de nylon negro, voltaram a cobrir metade de sua face.

E eu ali, esperava das ondas paz. Elas sussuravam um cochicho mudo que o garoto parecia entender. Seus olhos escuros e rígidos feito ébano, excessivamente pintados de uma maquiagem gótica, eram fixos nas águas profundas e irritadiças. Enquanto isso minha mente flutuava pela massamorda lembrança da rotina no escritório, flertava com a secretária, caía em poços de processos e revirava todos os meus desgostos.

O menino deu um passo a diante. Reparei que suas pulseiras de dadinhos coloridos não combinavam com a figura densa, vestida de preto que as carregava. Nem tampouco o piercing cor de rosa fez sentido preso na orelha branca de um jovem rapaz. Lembrei de quando minha filha resolveu praticar motocross, um esporte tão agressivo! " Os tempos mudaram, papai..."

O barulho dos carros e de meus pensamentos me impedia de perceber o que aconteceria na noite daquele dia aziago. Os passos eram firmes em direção ao oceano. Quando seus joelhos tocavam a água salobra, ele parou e disse ao ar: "É assim que se consumam todos os votos, todas as esperanças de minha vida, todas! Quero bater, gelado e rígido, à porta de bronze da morte!"

Só então me dei conta do acontecimento insólito e tétrico que presenciava. Então assisti àquele Gilliatt lençar-se ao mar; já era tarde demais para salvá-lo.
A figura negra pulou naquela banheira de lágrimas e foi se dissolvendo. Uma mancha de petróleo se desfazia no horizonte...Afundou lentamente e o cantarolar de melodias do Evanescence parou de súbito.

rebeca

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Contudo, ninguém a condenava culpada.
Talvez por comoção, talvez por comodismo.
Ninguém a perturbava. Apenas continuavam a observá-la trocidar a barra de sua larga camiseta verde. O sublime prazer de explodir a linha velha. Os fiapos do tecido vistos de perto - o natural processo humano de criar o artificial e desnecessário. A banal recreação de destruir a criação humana: um crime, uma revolução silencia.

Enquanto os ratinhos passeam por debaixo do tapete, fico eu aqui esperando o que perdi voltar. Me preocupo, no entanto, em pisar nos ratinhos. Sabe alguém a cor do sangue dos ratos Campo Grandenses? Vermelho, diram as mentes mais sãs e dogmáticas. No entanto, meu ceticismo me faz questionar como seriam as manchas coloridas que eu teria em meu tapete.
Ficaria ele bonito? Estou mesmo precisando de uma cor nesta sala. No entanto, tornaria o ambiente enjoativo, com o tempo? Seria um simples alvejante capaz de tornar meu tapete novo novamente?


Podemos também negociar da seguinte forma: O primeiro pagamento em abril, de 500 reais, e mais 10 parcelas mensais de 450. Sim, descontaríamos os juros. Hm, a concorrência disse isso? Mas eles também dão garantia de um ano? Sim, compreendo. Bom, esse é o desconto máximo que podemos oferecer. Mas ainda podemos compensá-los oferecendo-lhes alguma forma de brinde. Acompanhe-me até a seção de eletrodomésticos, sim?


Não, espátula, já disse que não vivemos em um hospital, vivemos em uma cozinha. É, a cozinha, o ambiente onde os alimentos são manipulados e modificados. O quê, salvar vidas? Hahaha, não, não, essa não e nossa função. Não se sinta mal, também somos úteis à humanidade.
Como, o que disse? Não, não se sinta mal... Você decora bolos, e bolos fazem mal à saúde das pessoas, sim, mas também as tornam muito felizes!
Não, você não está matando ninguém... Não, não está... Páre de chorar, espátula!







A costura era desfeita, o verde da camiseta se espalhava subitamente pelo tapete. Uma mulher gorda infartava na seção de eletrodomésticos. No fundo, eu só queria entender a relação entre fatos quaisquer. Pisei nos ratinhos para descobrir.
De nada me adiantou.



Dra Manoela.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Às 14horas, no domingo, a loucura.

Obrigada, Doutora Manoela, por me atender assim num domingo. Não, não é uma
urgência... Meus filhos estão bem, obrigada por perguntar. Paulinho fez aniversário ontem - mandarei suas conratulações, sim, sim... Acredito que tenha sido esse o problema, doutora.
O quê?! meu filho estar ficando mais velho? não a idade não me assusta... Não, também não houve imprevisto na festinha que organizamos. Acontece que - a doutora deve lembrar - minha avó morreu há alguns meses. Claro que j´superei, doutora... Não pensei, porém, que sentiria os efeitos colaterais dessa perda tão logo. Explico, explico. Estou chegando lá!
Desde criança, minha avó Mariazinha fazia os bolos dos aniversários. Passávamos dias escolhendo o sabor, íamos com ela ao supermercado, comprávamos os ingredientes, batíamos as claras, contávamos o tempo de forno. ontem, como ela não estava entre nós, encomendei um bolo de confetes naquela confeitaria ali na esquina. Sabe o que eio escrito na ciaxa?! Bolo da vovó! Que desaforo!
Por Deus, doutora, máquinas conceberam aquela torta! Quanda audácia compará-las à Vó Mariazinha... E foi isso, doutora, que me deixou inquieta ontem. mas, hoje, logo cedo pela manhã, foi a gota d'água. Fui ao Mercado de Lisboa, aquela vendinha perto de casa, que vende o melhor pão da cidade. Chegando lá, Seu Joaquim disse que não fazem mais francês. Ofereceu um pão congelado de uma marca, uma tal de Ss.. Sss... Não lembro o nome da desgraçada!
E é por isso que queria conversar com a senhora, doutora manoela. Porque o capitalismo e impertinente demais! Tirou o amor do tempero do bolo de confetes e roubou do português o pão francês! Não sei se os remédios irão segurar quando eu vir por aí uma rosca da fazenda feita em plena São Paulo! Ou quem sabe um chá de erva cidreira natural (!) em saquinho!
Sim, doutora Manoela, obrigada por aumentar minhas doses... Mandarei lembranças ao José Carlos. Bom domingo, doutora...





Ô cride, fala pra mãe
Que tudo que a antena captar meu coração captura

rebeca

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Nosso coração está em Deus?

Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo tende piedade.

Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo tende piedade.

Vozes e vozes se levantam aos céus: perdoai, Senhor, sei que pequei.

Os abençoados pingüins de batinas recomendam de cima do altar: orai, irmãos! Que o nosso Deus é o Deus do amor!

E as mãos se unem às vozes e aos céus urgem: Piedade, Piedade, Piedade de nós!

No clímax das preces dissimuladas, aquele que prega ordena: cumprimentai-vos, irmãos e irmãs.

A paz de Cristo.

Termina a missa, todos se vão. A velhinha desce a escada sem ajuda. O carro atravessa a rua em frente a igreja e tranca o trânsito. A multidão se esbarra e se dispersa em minutos.

A amor de Cristo nos uniu. Ninguém se despediu quando a missa terminou.

Todos pedem perdão a Deus. Mas, quem ousaria humilhar-se em vão? E pedir: perdão, irmão meu?

O perdão é o combustível do convívio. A culpa é o combustível do catolicismo. A Igreja se sustenta na piedade divina, enquando o mundo desmorona sem a piedade do próximo...

Perdoai, meu Deus, nós não sabemos o que dizemos.

Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, dai-nos a paz! Dai-nos a vossa paz! Dai-nos a paz.


rebeca

domingo, 2 de agosto de 2009

Diálogo Aleatório

Recentemente, aprendi na faculdade que é possível integrar funções.
Maravilhada com o sistema de integração, indaguei-me, indago-me, e indago-te: é possível uma REAL aplicação prática de integrais? Digo, é possível integrar uma amizade, um amor, a confiança? É possível reintegrar um passado? É possível alcançar a plenitude do ser, integrando-se?


Y- Vejo a vida como algo fragmentado. Os fatos, as fases interligam-se, mas são meros processos transitórios. Não necesariamente desconectados entre si, mas, ao longo do tempo, a relação entre estes torna-se cada vez mais tênue...
Z- Vejo a vida como um mosaico. Uma sequência não linear de fatos que, apesar de transitórios, potencialmente prestes a voltar. Qualquer lembrança pode voltar a ser uma realidade, a qualquer momento. Um passado absurdamente distante pode tornar-se parte do cotidiano. Planos para o futuro podem inesperadamente confundir-se com o que - surpresa! - de fato, já foi vivido.
Y- Como pode a vida não ser algo linear, uma vez que o tempo é absolutamente linear? O passado que volta, volta completamente mudado, lembranças e sensações perdidas que são recuperadas nunca voltam da mesma forma que vieram.
Z- Não quando se considera as fases da vida como diferentes formas de viver. Sabe, quando olho para trás, tenho a impressão de que tive várias vidas dentro de uma só. E várias vezes elas confundem-se, desaparecem, ressurgem de forma inesperada, fazendo da minha história uma grande sopa com manchas coloridas que dissolvem-se entre si. É algo completamente homogêneo, apesar das divergências do conjunto quando visto como um todo.
Y- Pra mim isso é ponto de vista de gente desorganizada. Que relação o passado distante pode ter com algo que lhe veio aleatoriamente?
Z- Você acredita mesmo que tudo o que lhe vem sem que você se esforce para conseguir é necessario e absolutamente aleatório?
Y- Existe motivo para não ser?
Z- Não entremos em metafísica.
Y- Simplesmente não consigo aceitar a idéia de que, na vida, tudo se encaixa e faz sentido. A minha, pelo menos, é cheia de lacunas com perguntas impossíveis.
Z- Talvez você simplesmente deva viver mais, para responde-las...
Y- Ou talvez eu deva deixa-las de lado e seguir minha trajetória linear!
Z- São as respostas encontradas ao longo do tempo que me fazem ver que o passado distante tem estrita relação com o passado recente. São as perguntas feitas atualmente que me guiam para ter uma noção do que será do futuro. A homogeneidade do conjunto não se dá pelo que há no núcleo, mas nas bordas das fases. As misturas ocorrem em raros momentos, mas são estes que dão a impressão de ser o quebra-cabeça algo completo, que as peças são ganhas ao longo do tempo. Tenho a impressão de que receberei a ultima peça apenas na hora de minha morte. E assim, com o quebra cabeças completo, diante de meus olhos e à frente de minha vida, saberei que minha existencia foi plena - estou integrado.






"E assim, chegar e partir
são só dois lados da mesma viagem
O trem que chega é o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também de despedida
A plataforma desta estação é a vida."


X.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A lição de Belzebu

Ninguém: Qual o seu nome, cavalheiro?
Todo-Mundo: Eu me chamo Todo-Mundo e todo meu tempo busco dinheiro, e sempre nisso me fundo.
Ninguém: Eu me chamo Ninguém e busco a Consciência.

Belzebu: Eis uma boa experiência: Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, Companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência e Todo-mundo dinheiro.
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo-Mundo: Busco honra muito grande

Ninguém: Eu, virtude, que Deus ordene que a encontre já.
Belzebu: Outra adição: escreve logo aí, que honra Todo-Mundo busca e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas outro bem maior que esse?
Todo-Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto fizesse
Ninguém: E eu quem me repreendesse em cada coisa que errasse.
Belzebu: Escreve mais
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que Todo-Mundo quer em extremo grau ser louvado, e ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas mais, amigo meu?

Todo-Mundo: Busco a vida e quem ma dê.
Ninguém: A vida nem sei que é, e a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve lá outra sorte
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Todo-Mundo busca a vida e Ninguém conhece a morte.
Todo-Mundo: E mais queria o Paraíso sem a ninguém estorvar.
Ninguém: E eu por ter a pagar quanto devo para isso.

Belzebu: Escreva com muito aviso
Dinato: Que escreverei?

Belzebu: Escreve que Todo-Mundo quer Paraíso e Ninguém paga o que deve.
Todo-Mundo: Folgo muito em enganar e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora escreve lá compadre, não sejas tu preguiçoso

Dinato: Que?
Belzebu: Que Todo-Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade.

Ninguém: Que mais buscais?
Todo-Mundo: Lisonjear
Ninguém: Eu sou todo desengano
Belzebu: Escreve, anda lá mano
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí bem declarado: Todo-Mundo é lisonjeiro, e Ninguém desenganado.


Gil Vicente.

Que todo mundo seja como Ninguém

A distinção entre bem e mal existe desde a época em que homem explicava o mundo pela mitologia. A ontologia que sucedeu Sócrates criou um novo termo para analisar as atividades humanas: ética. Conceito amplo, em geral ser ético significa se abster de preconceitos, ou o estudo das ações que levam o homem ao bem viver. Definir o bem, contudo, torna o problema de difícel resolução. Cada sociedade complementa a noção de ética com os princípios que julga superiores.
A palavra ética deriva do grego
ethos e é etimologicamente sinônima à moral, do latim mos. No entanto, enquanto ética é universal, permanente, teórica e dependente de um princípio; moral é cultural, temporal, prática e referente a condutas específicas. A ética é, por fim, necessária ao viver em sociedade, visto que da base a leis impessoais de convívio e respeito.Por não ser um conceito absoluto, a moral envolve polêmicas como vencer ou jogar limpo, ciência com cobaias ou sem, ser amigo ou ser justo.
O uso de cobaias é absolutamente antiético para alguns, pois o respeito aos animais é adotado como valor superior. Para outros, a necessidade de levar adiante experimentos que podem salvar vidas humanas é ainda mais importante que o direito dos bichanos. É inexorável, que culturas diferentes criem condutas éticas diferentes.
No esporte, o desejo de vitória muitas vezes impede que o competidor se abstenha do prêmio para se manter fiel à ética da competição. É difícil renunciar a um sonho, mas o respeito ao próximo deveria ser o principal motivo de satisfação. Infelizmente, os critérios adotados para definir a ética pessoal são, muitas vezes, distorcidos . Esquecem que o principal objetivo da
ética é o bem viver em sociedade e ela inclui, com impressivo destaque, o respeito e consideração ao outro
Por mais redundante que pareça, é preciso zelar pela ética moral – na qual as regras devem ser obedecidas. Agir com fidelidade às leis e princípios mais nobres invalida meios imorais, tantas vezes justificados pelos fins. Não obstante, quem diz que os tempos mudaram e pensa ser esse um bom discurso para roubar cofres públicos, desrespeitar os mais velhos, mentir e cometer injustiças precisa rever o conceito situacional, falso, no qual terminou sua eticidade.
O canconeiro geral Gil Vicente escreveu sobre a postura amoral que mantinha a sociedade portuguesa na Idade Média. Em sua peça os personagens Todo Mundo e Ninguém dizem a que vieram: o primeiro busca ser reconhecido e admirado, o segundo busca princípios. A alegoria mostra que o desinteresse da maioria por valores verdadeiros é antigo.
Por mais enraizada na história que essa distorção de princípios esteja, a eterna vigilância é a resposta para que os seres humanos não se afundem em desonestidade, corrupção e enganações. Somente ações de justiça causam alguma mudança, pois como disse Padre Antônio Vieira: “ Palavras são como tiros sem balas, atroem mas não ferem”.

Rebeca

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Pelos Umidificadores de Ar

Roberta levantou-se do sofá.
Roberta siplesmente tinha sede. Não era de amor, de esperança, de paz ou de Deus. Era apenas a necesssidade natural do corpo de repor o líquido do corpo.
Roberta caminhava agora em direção à cozinha. Não pensava, apenas observava o ambiente. Os potes de açúcar e café, os ovos fora da geladeira prestes a apodrecer, seus pés e suas unhas por fazer, os pêlos que seu gato soltara pelo chão.
Decidiu então que seria anti-higienico andar desacalça em um chão tão sujo. Subiu as escadas para buscar um par de pantufas. Dirigiu-se ao seu quarto, abriu seu guarda roupas e lá estavam elas: seus coelhinhos de pelúcia perfeitamente anatomizados para seus delicados pezinhos.
"Não tão delicados assim", pensou Roberta ao ver suas nojentas unhas encravadas. "O que minha filha pensará de mim ao encontrar meus pés neste estado? Não posso dar-lhe mau exemplo, e em menos de uma hora ela chega da escola. Melhor tratar esses monstrinhos".
Aproveitando que ainda estava em seu quarto, ela pegou sua lixa, seus esmaltes, tesoura, acetona, algodão, palitinho e cremes e iniciou seu ritual de fazer pé. Roberta ainda tinha sede.
Ao ver seus pés perfeitos, porém molhados, lembrou-se: Deixara copo e água na cozinha, ainda por beber. No entanto, não poderia descer imediatamente, pois suas unhas ainda estavam molhadas, e coloca-las dentro das pantufas estragariam sua recém criada obra de arte.
Roberta esperou o esmalte secar, colocou as pantufas, desceu as escadas e dirigiu-se à cozinha. Ao chegar próxima a esta, Roberta reencontrou os pêlos de seu gato espalhados pelo chão. O que seria de seus felpudos coelhinhos azuis se entrassem em contato com aquela pelagem branca e selvagem? Era necessária uma faxina, urgentemente.Roberta então pegou sua vassoura e iniciou o processo de higienização do ambiente gastronômico. É importante, ainda, ressaltar que Roberta não saciara sua sede.
Após aproximadamente meia hora, a cozinha brilhava. Como mãe de família eficaz que era, Roberta não conteve-se apenasem varrer, mas decidiu jogar uma água, passar veja e polir o chão: Um brinco.
Feliz por finalmente poder beber sua aguinha, Roberta suspirou, deu seus primeiros passos rumo ao seu prêmio cristalino. Foi aí que o interfone tocou. Era sua filha chegando da escola.
Chovia. Roberta, como boa mãe que era, não deixaria sua pequena a esperar do lado de fora. Pegou as chaves, o guarda-chuva, e foi abrir o portão.
- Como foi seu dia, querida?
- Ah, mãe, não enche!
Roberta não podia acreditar. Passara a tarde inteira preparando o lar para a filha, nem sequer bebera água, para chegar ao fim do dia e ouvir uma dessas? Era inadmissível! O mundo é injusto, os filhos são mal educados, gratidão é mera ilusão bíblica e seu gato (que na verdade nem era seu, era de sua filha mal criada) reapareceu pela cozinha para soltar novamente seus pêlos nojentos!
Roberta ainda tinha sede. Roberta transpirava. Roberta estava enlouquecida de raiva daquela maldita adolescente.
- Mãe, você tá legal? Porque está vermelha?
Roberta faleceu às oito e quinze da noite do dia primeiro de julho na Santa Casa de Campo Grande. Os médicos afirmaram que Roberta tivera uma crise de pânico, seguida por desidratação.

Moral da história: Tempestade em copo d'água não necessariamente mata sede.



Maria.

sábado, 18 de julho de 2009

A Geração Lost

Discurso sem propósito.

Nós nunca seremos quem somos hoje, não seremos tão belos, tão cheios do que nos preenche tão plenamente. Não diremos amanhã o que dizemos hoje, não reagiremos da mesma forma que reagimos... Nenhuma dor doerá tanto quanto a presente, nenhuma saudade nos fará sangrar tanto, nenhum amor será maior, nenhuma decepção virá depois desta, nenhum vazio será tão triste quanto este que insiste em nos ocupar neste dia.
Todos os dias essa premissa será verdadeira, todos os dias seremos um novo alguém, um fugaz personagem que morre toda manhã para que outro assuma o centro do palco. Assim como nem mil cartas de amor explicam o amor melhor que um beijo apaixonado, nem todos os nihilistas russos reunidos saberiam descrever a sufocante sensação de vazio e desespero que sentimos quando o choro rompe o silêncio do quarto vazio.
A vida segue sem nós, o tempo escorrendo por nossas cabeças não espera que estejamos prontos para ele, corre como o rio para o mar, e chega aos pés antes que possamos sentir a deliciosa sensação que a água gelada provoca nos nossos corpos febris.
Algumas pessoas são obcecadas com o tempo presente, vivem ao máximo, divertem-se sem medir consequência, ferem-se e não se importam; outras se resguardam para o futuro, para um dia melhor, para uma possibilidade, para uma alegria futura. Nós não. Nós estamos perdidos em algum lugar no meio dessa confluência de idéias. Queremos a vivacidade do dia de hoje, o frescor da pele jovem, o entusiasmo infantil, mas queremos também fazer planos para a senilidade, queremos ter dinheiro para fazer um dia uma grande viagem.
Sentimos o ímpeto de devorar a vida com as mãos, engolir todas as guloseimas que estiverem sobre a mesa, saborear toda a variedade de quitutes e delícias exóticas... hesitamos. Pensamos na saúde, na estética, nos bons modos. Trazemos as mãos de volta ao colo, e pensamos. Pensamos. Pensamos. A vontade de fazer, a necessidade de parar. Os dois extremos, tão distantes quanto nossos próprios corações, que cravados no peito fogem ao encontro do ser amado. No fim... entre fazer e não fazer, sentir e rejeitar, nós nos vemos estagnados numa idéia, num furacão de ponderações.
Somos tão incapazes de encontrar o equílibrio de que tanto necessitamos. Queremos serenidade mas adoramos o caos. Não queremos ficar surdos, mas aumentamos o volume para sentir a bateria batucando por dentro de nossos corpos. Queremos aproveitar o jantar, mas fechamos a boca em respeito às calorias.
Estamos perdidos. Queremos muito e não fazemos. Fazemos demais e estragamos tudo. Não temos líderes nem heróis. Não temos uma luta. Não erguemos bandeiras. Dormimos e não descansamos. Sonhamos durante a vigília. Fazemos tudo errado.
Perdemos tempo falando sobre perder tempo. Assistimos nossas aspirações fugirem ao nosso alcance e nossas esperanças voarem com o vento. Ainda assim, estamos parados. No caminho para algum-lugar esquecemos pra onde estávamos indo, e não nos recordamos do caminho de volta. Necessitamos ajuda e não a pedimos.
As maçãs do rosto começam a murchar, os pensamentos vívidos vão perdendo cor pouco a pouco, a areia do tempo já chega aos nossos joelhos e nós ainda estamos absortos dentro de nossa própria existência, ensurdecidos com o som do desconhecido silêncio... a vida tenta nos despertar e nós continuamos aproveitando cinco minutinhos a mais. Até quando?
Somos um projeto que falhou. Reconhecemos o erro mas não sabemos conserta-lo. Talvez não queiramos arrumar tudo o que está errado, talvez gostemos do estado permanente de crise... quem sabe nos sentimos confortáveis em tempos de instabilidade.
Corremos em direção uns aos outros, tropeçamos, trombamos, batemos, esbarramos, estamos conscientes disso, mas precisamos sentir o toque. Queremos sentir que estamos todos aqui. Nos é vital saber que o sanatório não está vazio, que ainda que o mundo nos rejeite, nós acolhemos uns aos outros e que continuamos aqui. Sempre aqui.
Vamos de mãos dadas, já não faz sentido andar sozinho. Se vamos todos cair, então que caiamos juntos... de mãos dadas o medo parece não importar, eu não vou fechar os olhos, mas se quiserem fechar os seus eu cuido de contar-lhes tudo o que desaba a nossa volta.
O mundo gira tão rápido e a caneta agora treme em minhas mãos. Apague a luz! Shhhhhh. Eles estão voltando. Shhhhhhhhhh.

Arbórea da Silva Sauro

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Ao norte, a felicidade

Alcançar um objetivo traz felicidade, por vezes apenas persegui-lo também. Encontrar um amor, bons amigos. Ter muitos sonhos, ter várias saudades. São tão alheios a si mesmos os caminhos para a felicidade, que persiste a dúvida: algum deles termina afinal na terra dos hiperbóreos?
Sócrates defendia a virtude com razão da felicidade. E um homem virtuoso é aquele que detém conhecimento. Sapere Audi! - é a rega. No entanto, antes que filosofias de cicuta e imperativos categóricos envenenem o pensamento: o que é felicidade?
Um olhar epicurista e a resposta se revela: a ausência de dor é esse bom augúrio por todos almejado. Para Aristóteles, ser feliz é ser capaz de equilibrar virtudes. Um estado de completa satisfação; sensação de textura tão etérea que - volátil- se perde na brisa mais suave. A felicidade é plenitude, mas é também frágil.
Conscientes de ser o prazer apenas alegria passageira, impossível considerá-lo plenitude. Enquanto o prazer distrai, a felicidade constrói. Ele é, enquanto desejo mundano, a manifestação de qualquer espécie de satisfação incompleta. Por isso, a felicidade, por ser exclusivamente humana e racional, eleva e emana.
Buscar a justiça, o amor, a liberdade não são sozinhas tarefas bastantes. A felicidade, contudo, engloba todos esses valores e desejos. O contentamento da alegria permanente se partilha com justiça e amor. A liberdade, por sua vez, é o início da Vida; é quando um indivíduo inaugura a si mesmo e se lança nessa batalha louca à felicidade.
Com sorte, autonomia e determinação é possível equilibrar-se na corda bamba da vida sem cair em chão duro e doloroso. E assim, pé ante pé, chegamos ao meio do caminho: metros de corda percorridos, léguas ainda por bambear. A felicidade - a revelia dos contos de fadas- não é eterna e estática. É, na verdade, dinâmica e mutante. Flexível, o homem buscará sempre este horizonte: o Norte, onde vivem os hiperbóreos. Onde todos são felizes e perfeitos e onde- a despeito de sempre caminhar- quem sabe o homem nunca chegará.

rebeca

terça-feira, 30 de junho de 2009

Satélite

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite

Desmetaforizada,
Desmistificada,
Despojada do velho segredo de melancolia
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados
Mas tão-somente
Satélite

Ah lua deste fim de tarde
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!
Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
_Satélite

Manuel Bandeira

terça-feira, 2 de junho de 2009

Philo-sofia vazia

Vazio:
flocos de vidro extracorpóreos,
invisíveis estigmas estilhaçados,
nos penetram em
d o ---s --------e------------------ s
[homeopáticas.

O grito sufocado, ânsia muda
alheio aos sentidos do mundo,
alheio às sinapses do corpo,
alheio aos apelos da vida.

Ataráxicos, apoiamo-nos
em filosóficas muletas irreais.
Não somos apenas sombras
de perfeitos mundos ideais?


Consome-nos, rio de cicuta
eticamente calmos, humanamente rígidos
-e o kósmos, paradoxalmente desordenado-
e o conhece-te a ti mesmo ficará esquecido.


Cecília

Andanças de um zé Ninguém.

Era um domingo de sol o dia do nascimento de José Pinto Ferreira Marques. O céu azul refletia o celeste dos olhos do recém-chegado, o qual os mantinha arregalados- como quem esperasse absorver todo o novo mundo de uma só vez pelas pupilas ansiadas. Quando bebê, não chorava. Os esporádicos berreiros, contudo, deixavam os cabelos de sua mãe em pé. Era diferente de outros meninos de sua pequenez; parecia tão esperto, tão absolutamente alegre!

Crescia rápido o menino. Filho de importante juiz de uma cidade do interior, estudou em bons colégios - todos eles incapazes de domar sua personalidade arteira e particularmente destruidora. Certo dia, quando era aluno do Colégio Dom Bosco, defecou no carro de um dos padres que lhe desagradava. No dia de sua expulsão, a escola inteira instalou o luto; cartazes apareceram na parede: volta, gangue do zezé!. O medo de uma revolução ocupou os párocos por meses a fio.
Depois de alguns anos foi cursar direito no Rio de Janeiro. Zé Pinto,figura conhecida das noites cariocas, participou de rodas de samba com assiduidade. Chegou a ser mestre sala da Mangueira, impressionando a todos com seu molejo descolado. Em uma das idas à praia da Barra, conheceu Maria de Lourdes. Ele soube, no momento em que ouviu sua voz, que estava apaixonado. Fez de tudo para chamar a atenção da morena, mas a conquistou com apenas um sorriso. Não qualquer sorriso, os dentes brancos e alinhados de Zé Pinto quando à mostra tinham algo de especial - uma graça irresistível.
Casaram-se. Após um ano de união tiveram um filho, a quem chamaram Gabriel: um anjo que guardava os olhos do pai. José Ferreira Marques trancou a faculdade e resolveu sustentar a família: virou taxista. Depois de alguns anos, contudo, gastou todas as suas economias para deaurar o canino esquerdo. Divorciou-se de Maria de Lourdes, quem já estava cansada de suas bebedeiras após o expediente.
O que aconteceu depois pouco se sabe. Especula-se que tenha morado no Nordeste, onde ficou conhecido como Izé, um trambiqueiro de marca maior. No aniversário de vinte anos de seu filho, contudo, mandou uma carta contando suas experiências como pastor no Amazonas, onde fundara uma religião. A carta voltou com uma notícia fúnebre: seu anjo dos olhos anis enfim subira aos céus - dois anos antes- em uma boate na zona sul do Rio.
Celebrou uma cerimônia em homenagem ao herdeiro falecido, e mergulhou na bebida novamente. Certo dia, um mendigo, a quem Zé contava sua história, perguntou-lhe:
_ Como foi que ocê, com tudo pra ser feliz, pode virar um zé ninguém?
José Pinto Ferreira Marques, Zezé, Zé Pinto, José F. marques, Izé, e tudo que aquele homem de cabelos brancos já tinha sido na vida responderam em uníssono:
_ Quem disse que eu queria ser "alguém" feliz? Sou tudo que eu sempre quis: um Zé, feliz. O ninguém é por sua conta...
Morreu de cirrose alguns anos depois. Diz-se que no enterro os lábios desenhavam um sorriso torto. Como a vida, deveria estar levando a morte como uma piada...

Baseado em fatos reais.
Rebeca

terça-feira, 26 de maio de 2009

Embromation

Muito bem, agora é sério, vamos direto ao ponto!
Faz tempo que quero te falar tudo isso, mas, é preciso muita coragem para fazer uma confissao dessas.
Espero que voce me entenda bem, ou pelo menos aceite a questao a ser dita, pois nao há mais o que fazer.
Nao sei se este é o momento certo para colocar as cartas na mesa, mas, mais cedo ou mais tarde, voce acabaria descobrindo. Deixar de te contar, mentir, ocultar apenas adiaria a verdade. E todos sabemos muito bem que adiar a verdade é uma forma de omitir, que, por sua vez, é uma forma de mentir.
Nao espero também que voce continue sendo o mesmo após descobrir tudo. É compreensivel que tenha uma reação da qual nao goste eu, no entanto, como já lhe disse, deixar de contar o que se passa seria uma forma de enganar. Peço, no entanto, que tenha calma e espere a cabeça esfriar antes de tomar qualquer deicisao precipitada - sei bem que um choque nos leva a reações inusitadas.
Se ainda houver alguma reação inusitava da qual me referi, e em um futuro proximo, voce se arrependa, nao hesite em voltar atrás. Estarei sempre aberta para uma conversa que nos leve a um acordo. No entanto, se decidir sumir do mundo e nao quiser mais me procurar, também compreenderei. E considerarei justo.
Também me senti mal ao saber de tal notícia. Quis morrer. Tomei veneno. Me cortei com uma garrafa quebrada. Mas agora superei. E te repasso agora a informação.
Mas chega de enrolação! Só queria te preparar para o que vem pela frente. Calma. Respira. Conte até dez.
O que eu queria mesmo te revelar era que



















































































.

Maria.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Definições

Saudade.
Palavra única;
Inexistente em línguas abrasileiras.
Estrangeira em alguns corações...

Saudade!
Bicho único;
Habitante de cavernas profundas
Em átrios e ventrículos (esquerdos).

Saudade,
Esquerda ao esquecimento
Externa a lembranças desimportantes.
Sonho único...

Saudade:
Maestro que rege o tempo
Do meu pensamento;
Que pára- sempre- num momento único.

rebeca buendía

sexta-feira, 15 de maio de 2009

algo sobre desespero

Inconfessáveis segredos de uma carta não enviada.

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Meu amado, respeito sua decisão embora a odeie com todas as forças que possuo, com o âmago mais visceral da minha quase-alma...
Ainda assim, há certas coisas que eu preciso lhe falar... há certas coisas rasgando minha garganta, pedindo pra virar voz... pedindo pra esbofetar suas bochechas rosadas e te cobrir de beijos.
Ouça.

Apesar da agonia de nunca ter meus abraços te envolvendo, ou suas mãos descansando em minha cintura... apesar de desejar em vão que seus lábios possam tocar os meus, há algo estranho na paz que eu sinto em saber que você sempre será meu último pensamento antes de adormecer e o primeiro ao abrir os olhos na manhã seguinte.
A única garantia que temos é de estarmos certamente nos pensamentos um do outro, e por mais formidável que isso possa ser, me traz um desespero tal, que apenas palavras não poderão descrever precisamente.
O mais verdadeiro desespero que assola minha alma, aquele mais latente e ferino que posso experimentar é aquele provocado pelo medo de ter que viver a vida toda sem a luz dos seus olhos iluminando meu riso.
O que há de mais intrigante no desespero é, provavelmente, que ele é incapaz de existir por si só. Ele não pode simplesmente aparecer em nós sem motivos. O desespero demanda uma expectativa prévia, uma vontade primaria que ao se perceber a beira de um precipício cria um abismo emocional aterrorizante.
Embora dar um passo atrás seja, quase sempre, uma opção, geralmente não é uma escolha que nos apraz, e por vezes não conseguimos enxergar além da queda...
Mas eu fecho os olhos e me concentro. Minha idéia sobre eu-e-você é o que provê à minha pobre alma a coragem de seguir sua voz, minha guia, e quando me pedir para pular... eu confiarei em você para me pegar do outro lado; agora, nosso lado.
E nessa hora não haverá mãos que não podem tocar-se ou olhares que não possam encontrar-se. Então haverá eu e você e nenhuma mesóclise geográfica.

Pra sempre sua,
Olga Machado

e foi assim que encerrei a carta. Dobrei a folha ao meio... chorei.
segurei-a junto ao peito, talvez numa tentativa de juntar as partes que haviam se
desprendido do meu coração; ou talvez pelo medo que senti de minhas próprias palavras.
sei que o desespero foi tanto, que despedacei a carta, ateei fogo nas migalhas e vi nas chamas minha esperança carbonizada sublimar piamente... come se pedisse perdão, ou anseasse por uma segunda chance de existir.
não.
não.
não não e não.

isso não!
de novo não!
deixe em paz meu coração...
que ele é frágil já aqui, de tantas mágoas.
e qualquer desafeição, faça não.
é mais que uma gota d'água.

cartas de amor são rídiculas,
eu sei,
e este é o meu tempo,
e eu escrevo cartas de amor,
como as outras,
ridículas;
mas elas não seriam de amor,
se não fossem ridículas...
pois que sejam, então, patéticas
de tanto amor.

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O.M.

obs às pOetas:
como é bom estar de volta!
perdoem-me pela ausência.

domingo, 10 de maio de 2009

Paciência, sete vezes, paciência!

Os pecados capitais são considerados imperdoáveis. Luxúria, avareza, gula, preguiça, vaidade, inveja, ira. Quase impossível é passar a vida sem cometer nenhuma dessas sete transgressões; todos são, portanto, culpados por infringir a moral judaico-cristã!Difícil realmente manter a castidade, a fortaleza, a temperança, a diligência, a humildade, a caridade e – sobretudo- a paciência.
Irados ficam aqueles que permanecem horas no telefona, manobrados por atendentes de tele marketing. Irados são os que têm que suportar filas de banco, de supermercados por incompetência de maus balconistas. Irados os maridos traídos, as esposas trocadas por futebol, as mães de crianças histéricas. Irados ainda os que acabam presos no tráfego, formando filas imensas de carros engarrafados.
A ira é tão comum quanto destruidora. Surtos de ódio causam inimizades, embora o prejuízo real seja para o próprio furibundo. Talvez seja possível classificar a ira como sentimento secundário, originado d rancor, inveja, e melancolia acumulados, Quem dá espaço em demasia a sensações tão baixas como o ciúme e a decepção não é capaz de cultivar qualidades morais. À falta de bons sentimentos só resta, por fim, a solidão.
Explosões de cólera colocam em evidência o lado animal d ser humano. Irracional, a ira é uma válvula de escape a todo o mal acumulado. Difere do ódio justamente por ser incapaz de armar embustes, é instintiva. Logo, a principal arma contra a ira é a razão. Não é susceptível ao estopim do rancor quem é capaz de controlar a própria mente e, portanto, avaliar suas ações antes de cometê-las.
Diversas práticas lidam com o autocontrole. A filosofia da Ioga e a psicologia procuram dar ao indivíduo a liderança de sua consciência. Não obstante, teorias budistas e muçulmanas também acusam a ira de inimiga da sabedoria. É válido também, tentar descarregar energias negativas em atividades produtivas e relaxantes como pintura, música e esportes. Quem sabe uma boa luta de boxe?
Quem dera o mundo existisse apenas em sete virtudes! Mas, pensando bem, que graça teria?Haja paciência para tanta monotonia... Os pecados são sete, mas as maldades que eles contêm são infinitas. Nunca serão eliminados da natureza humana, de fato; contudo, devem ser controlas antes que ímpetos maléficos destruam a vida por causa de traições que acabam e espancamentos ou apenas por culpa de gerundismos infinitos do outro lado da linha.
Rebeca

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Um escritor não explica a sua obra, pois a leitura em si vai além de qualquer entendimento mas sobre esse texto tenho um carinho enorme ,porque não há nada mais gratificante do que receber o sorriso de uma criança e logo após ouvir ela dizer:" Ah! Entendi... Achei que aquecimento global era só pra gente grande".

Compaixão do Seu Tuburão

Num lugar muito, muito distante e muito, muito frio mora uma família de ursos polares. O pai dessa família viaja sempre para um outro Polo em busca de alimentos, pois ali onde habitam a água não está mais tão fria e com isso os peixes estão migrando para outros lugares. Acabou-se o tempo das geleiras aconchegantes e geladinhas.
Em um belo dia de verão, com a temperatura de 10ºC, a mamãe Ursa deixou os seus 6 filhotes e foi em busca de alimento. Mergulha para um lado, mergulha para outro e nada de peixes. De repente, o seu coração disparou! O impossível estava na sua frente, jamais imaginara que um dia iria ver aquela cena
__Meu Deus! Quem é você? O que você está fazendo aqui? Esse lugar não te pertence.
__A senhora não tem nada a ver com isso, muito menos com a minha vida! Está difícil para todos. Além do mais, a água está quentinha e estou comendo todos os seus peixes.
__Por favor, não coma todos os peixes! Meus filhotes vão morrer. Vamos nos unir, os homens estão acabando com nós. Tenha compaixão, Seu Tubarão!
__Nada me interessa, Dona Ursa. Os peixes são meus ou como você!
Dona Ursa voltou para casa chorando, conseguiu apenas 2 peixes e não parava de pensar como o mundo é cruel, como os homens chegaram àquela situação. Tubarão no Polo Sul, quem diria.
Seu Tubarão não tirava as palavras da Dona Ursa da cabeça, sempre fôra tão malvado, mas agora precisava mudar. Era agoniante pensar em uma família de bichinhos gordinhos e peludinhos passando fome.
Dona Ursa acordou cedo depois de 2 dias da "surpresa" para ir atrás de alimento, entretanto viu um milagre.
__Crianças, olhem! Nunca vi tanto peixe na vida! Isso vai dar por muito tempo. Vamos até poder doar para outras comunidades necessitadas. É um milagre!
Dona Ursa viu um bilhete junto ao monte de peixe: "Dona Ursa, perdão pela minha ignorância, sua família merece viver e ser feliz. Esse presente é o mínimo que poderia lhe dar. Cacei 2 dias inteiros por todo o mundo. Temos que nos ajudar para construirmos um mundo melhor. Ter compaixão! Assinado: Seu Tubarão."

Pense um pouco mais no que você está fazendo com o mundo, pense no futuro de vidas, pense em si, pense como tudo pode piorar, pense que talvez esse futuro esteja mais próximo que você imagina, pense que talvez um dia possa ser tarde demais! Mas agora não, o agora nunca é tarde!
Ju Violetine

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Memórias

"Quanto tempo temos,
quando o vento vem?
Lembranças percorridas,
Coloridas, quem sabe? Indefinidas
Invenções, dádivas,
que não cabem no esquecimento
de um simples pensamento
de alguém que já
passou...."
Saudades de um tempo que já passou, saudades das loucuras intermináveis e dos insaciáveis desejos, saudades da amizade que felizmente ainda sinto, saudades de mim, saudades de vocês, saudades de ventos passados!

ETERNA NOSTALGIA!


Violetine

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Desabafos nada publicáveis

Era como observadora de estrelas que me sentia inteira. Deitada na rede, contando diamantes num breu de dúvidas.
Nada se encaixa, até que nos demos ao trabalho de sentar, e montar o lego. Mesmo assim, as peças podem ser de linhas diferentes, edições novas e antigas e ainda não entrarem em comunhão.
Quando balanço a cabeça, ouço um ruído: um chacoalhar de pecinhas soltas...
Não era como vestibulanda que me sentia mais sonhadora. Não é como médica que me sentirei mais solidária. Não foi quebrar regras que me tornou mais anarquista. E quando era metódica, queria sucumbir ao caos.
Não é a distância a causa da solidão. Também não é a proximidade o remédio para a saudade. Não entenderei qual é o meu papel, até o assistir da distância segura do futuro. Mas não era como amiga que me sentia completa. Nem como namorada me sentiria menos vazia.
Contar vantagem não aumenta o mérito do primeiro lugar. Contar mentiras só impõe o dever- trabalhoso- de esconder a verdade.
Porque ando em linha reta, não desvio menos do meu caminho. Subir não me fará chegar ao topo.
Escrever não me faz sentir-me mais escritora, mas minhas palavras têm mais vida do que este andróide que atende por meu nome.

rb

procura-se

meu partido
é um coração
(re)partido:

metade ficou
ontem, em algum vão
metade voôu

pro longe de amanhã...

procurado:
um terço de coração
que teria
remanecido.

rebeca

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Releitura nada Romantica de Gonçalves Dias II

Minha terra tem palmeiras
onde canta o José Sarney.
Todos aqui são bi,
mas só o Clodovil é gay.

Nossos hotéis são mais puteiros,
nossas putas são mais belas,
nossas praias mais nudistas,
nossas freiras mais magrelas.

Em buscar sozinho à noite,
mais prazer encontro eu cá:
minha terra tem puteiros
onde o Clodovil dá.



Ana Gabriela

Em uma tarde de sábado

caminhava eu dominganamente como se nao pertencesse a este lugar. De fato, nao pertenço. Mas não é o tempo ou a condiçao geografica que determinam a que coordenadas pertenço. É o ninho em si. Lar nao é onde estao as pessoas por quem sentimos afinidade, convivemos ou temos algo em comum. Coracionalmente, sinto-me mais em casa com indivíduos desconhecidos, diálogos passageiros e gestos de um futuro mundo do que em qualquer outra situaçao.
E foi aí que o segurança da rua resolveu me acompanhar. Claro, nunca é bom caminhar sozinha em cidade desconhecida onde 7 horas da noite parecem ser 3 da madrugada. Aceitei logo a proposta.
Nao nego ter sentido medo, logo de início. A rua era um deserto, os terrenos abandonados eram oportunidades.
Mas logo me senti confortada ao descobrir que meu segurança também era pai. É engraçado como certas informaçoes a respeito das pessoas nos fazem ter novos juízos a respeito delas. A situaçao em si nao mudara nada: continuava eu exposta, desarmada e sem testemunhas. Mas o senhora nada faria contra mim, afinal, era pai.
Continuei minha conversa com o pai. Agora ele me contava sobre sua família, sobre sua filhinha de 10 anos a quem provavelmente me lembrava. Parecia preocupado - que arte teria ela aprontado dessa vez? Contou-me sobre a paternidade, sobre uma mudança em sua forma de ver o mundo depois que surgiu uma criança em sua vida.
Desvendou-me um segredo: existem dois caminhos. Nao, eu nao estava perdida. Existe o bem e o mal. Existe a concepçao de futuro. Mariana havia entrado em sua vida para abrir-lhe os olhos. Nao, meu senhor não me estava fazendo apologia a nenhuma igreja, tampouco pretendia iludir-me com algum discurso benigno. Eu sentia que as palavras brotavam espontaneamente de seus lábios, sem intençao nenhuma.
Chegamos, enfim, a uma rua próxima a avenida principal, a qual deveria eu me dirigir para finalmente chegar em casa, em meu "lar". O senhor apenas disse-me para virar a direita, e nao se despediu.
Segui sua sugestão, peguei a avenida principal e nunca mais vi Nelson.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Novo partido

Louvemos a queda da religião fanática vermelha.
o declínio dos totalitarismos sanguinários,
dos cálices falsos,
dos cale-ses bradados.


Viva a democracia capitalista
e a globalização elitista!
Somos agora todos iguais
-no limite de nossa desigualdade.


Declararam meus direitos humanos
Mas esqueceram de colocá-los no mercado
Os meus sonhos flutuam na bolsa;
Minha vida financio a prazo.


Meu partido é um coração partido.
Piso às tontas em cacos e sinas
Meus inimigos escondem-se em fundos falsos
em burocracias, petições, ave-marias

Sou livre para pensar
em palavras vazias, léxicos em vão
inundo-me de rimas pobres
sou fruto da alienação

Com âmago morto, sensos comuns
arrasto meu efêmero ser.
Ideologia: eu quero uma
-pra (sobre)viver.

terça-feira, 31 de março de 2009

O piolho

Sua morada, um mar de cabelos. Ele anda a se esconder entre as mechas longas; um incômodo, um forasteiro em terras inimigas. A mão suave procura a origem da coceira e ele salta habilmente para fugir do perigo. Adere-se, então, a terra-couro cabeluda para não cair, enquanto as falanges friccionam a pele sob os fios compridos. As placas brancas caem no ombro do hospedeiro; são caspas, aspas de cada preocupação que passeia em seu pensamento.
Ele, o inseto, tão odiado. Ele sofre com seu hostage, mesmo sem que este saiba disto. Cada dor de cabeça chacoalha suas seis patas e duas antenas como se fossem cordinhas de marionete. Para ele, o mal visto parasita, as enxaquecas são terremotos intensos. Tremores de terra que quase o derrubam entre as placas tectônicas. Se não houvesse pele entre suas delicadas patinhas e os grandes blocos parietais, o pequeno transeunte se afogaria em lava de neurônios em revolução.
"Ah, digno locatário de habitação tão confortável! Por que se preocupa tanto assim?", pergunta o bichinho. "Que há no mundo dos humanos que mereça suas cefaleias tão freqüentes? Quanto tempo demorará para que termine de pintar minhas paredes de branco? Será que você não entende? Tenho sono, tenho filhos que sentem sono. Pare com essa trepidação antes que meus pequeninos lêndias caiam em alguma fissura temporo-occipital!".
Mas os homens não conversam com insetos. E seguem a atrapalhá-los e a se atrapalhar com problemas por vezes dispensáveis.

hallmark

sábado, 21 de março de 2009

quase amor

Quase separados pelo tempo,
quase pela distância,
Enfim, separados por nós mesmos.

Triste o dia em que alguém
Me entregou o caração aberto
de mãos estandidas como quem oferece uma flor

E eu soube
que o devolveria em cacos,
recortados pedaços de um coração partido.

Meu primeiro, único, grande...
insano, insolúvel, inquebrável...
interminável, agonizante!
infinitamente cheio
de impossibilidades!

14/12/2006
alguém que não era eu.

terça-feira, 17 de março de 2009

oito de março

08 de Março: dia Internacional da Mulher.
Botucatu, SP. Rua Visconde do Rio Branco, 898.

Minha cara,

Agora é finda aquela época. Não te arrependas do está feito. Tantas operárias queimadas morreram naquela fábrica dos diabos, e agora tens um dia só teu. Agradece a elas, mulher. Diz obrigada à Maria da Penha. Não esquece a determinação dessa pobre companheira que dá nome à lei que te protege. Aceita de uma vez a nova era em que vives. Aprende a dividir-te em duas, três, quatro, mil! É tempo de acostumar-te...
Pensas que és tão inteligente, não? Por acaso imagina que herdastes a genialidade de Marie Curie? Só porque sabes agora fórmulas, leis, teorias novas, não quer dizer que conheces o segredo da vida. Provaste que eras capaz de produzir como um homem, de comandar outros homens até. E agora, és feliz? Tu, que vestes esse terninho escuro, julgas-te no direito de sonhar com o longo branco, véu e grinalda. Quanta audácia! Desperte-te dos sonhos de outra pessoa, mulher. Não és Madame Bovary, sabes disso. O amor não é perfeito; tuas paixões estão fadadas ao fracasso.
Tu trabalhas com a dedicação de um camelo. Como vais encontrar teu príncipe com tua agenda cheia? Onde - céus!- ele deixará seu cavalo branco se teu carro zero ocupa a vaga da garagem? Ninguém vai querer-te, mulher. Não cozinhas boa comida. Tu não tens tempo para ir ao cinema, para tomar sorvete. Tens que limpar a casa, lavar banheiro, a louça, a roupa. Tens que fazer as unhas, o cabelo, depilar-te. Ah, se tivesses conhecido Amélia... Amélia era mulher de verdade. Amélia não tinha a menor vaidade.
Tu dizes que te orgulha de tua independência. Sei, porém, que à noite choras escondido. Tua liberdade assusta os homens; tua liberdade afasta-te de teus filhos. Não é que não gostas da vida executiva que levas, sei bem. Mas tu querias ter tempo para vier todas as tuas vidas completamente, não é? Ser ao mesmo tempo a mulher de negócios, a senhora do lar, a esposa exemplar, a mãe de família, não é fácil. Contudo, foi tua escolha, mulher. És livre: agora encara o mundo de frente!
O valor da mulher está no amor que ela é capaz de oferecer. O que fazer agora que amas teus livros, teu salário, tua independência, tua liberdade? É capaz de amar ao mesmo tempo teus filhos, tua casa, teu marido, teus deveres domésticos ainda com o mesmo fervor? Abandona tuas ilusões mulher. Não há tempo para ser sensível: absorve o desprendimento e a ousadia de Leila Diniz. Ah, vida radioativa... Vais acabar morta como Marie Curie, mulher: por tuas próprias realizações.

Atenciosamente,
rebeca.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Para José

Sei que quando me voce me viu pela primeira vez, voce me julgou como um caderno em branco: puro. E sei bem que queria escrever em mim, me marcar, fazer umas orelhinhas e quem sabe até derramar algumas gotas do seu café mal adoçado. Nao posso culpar ninguém por ter desejado o que é comum, afinal, é exatamente essa a vontade que eu teria me colocando em seu lugar.
O que eu nao consigo compreender, José, é porque voce quer me escrever apenas mais uma página e não continuar sua trama. Fico agora ansiosa, esperando pelos próximos capítulos, próximos fatos, os quais cada dia mais demoram para vir. Minhas linhas, minhas margens estão atrapalhando seu processo de criação? Sou exatamente a mesma durante toda a minha extensão. O que aconteceu com aquela inevitável necessidade inicial de escrever? Era o meu cheiro de papel recém encadernado que o motivava?
Observo os outros cadernos da estante: rabiscados, mal cuidados, encapados, incompletos, cheios de outros papeizinhos, molhados até abandonados. Não sei qual a sensação se ser um caderno de estudos, ou uma agenda. Mas você me começou uma história. E eu estou ansiosa pela sua continuação.
Sabe, só de pensar que um dia você vai me esquecer ou não conseguir mais me continuar, já me desespero. Me desespero também ao pensar que você possa transformar essa linda comédia que me vem escrevendo em tragédia.
Me sinto mal também ao ativar meu senso crítico e perceber que ter lhe transformado em escritor foi uma idéia absolutamente autorizada por mim. Minha submissão a voce por exercer simples papel de livro me abala ainda mais, pricipalmente por saber que parcela da culpa do meu sofrimento provém, em partes, de mim mesma.
Aaah, José, se você soubesse o esforço que eu faço para te inspirar, colocar minhas idéias em sua mente e esperar que você as transcreva em mim, conheça minhas vontades e faça de minha palidez a palidez mais bem escrita já conhecida pelos homens... Se você soubesse do meu esforço mudo para te fazer feliz ao me escrever... Se você tivesse pelo menos idéia da minha satisfação ao vê-lo escrever com carinho e, com seus olhos inteligentes, me flertar como se me agradecesse por algo que seu lado racional por completo atribui a glória apenas a si mesmo...
Alguns escritores dizem que não escreveram sua obra, mas que a própria obra se escreveu através dos punhos do escritor. Sei que não é nosso caso. Você me escreve de acordo com suas vontades, suas idéias, seu humor. E eu fico aqui, esperando que algum dia eu possa entrar em você da mesma forma que um dia você entrou em mim para que, assim, ao continuar a sua escrita, você me despeje não o que lhe surge ao acaso, mas o que nos brota espontaneamente, como dupla, como cúmplices.


Sonia Maria Lima da Rosa

quarta-feira, 11 de março de 2009

À procura das "chaves de Drummond"


----Tivera meu primeiro contato com a magia das palavras nos meus doces verdes anos. Naquele tempo, descobrira, nas palavras de minha tia, a poesia sinestésica de Cecília Meireles, que me guiava na descoberta fantástica de um mundo novo aos meus inocentes olhos. A profusão de sentidos inundava-me de efêmeras sensações, coloridas e saborosas como balinhas de frutas sortidas. À medida que aprendia a tarefa áruda da leitura e escrita, minha comunhão com as palavras tornava-se mais íntima. Vejo agora que eu era, como Manoel de Barros disse, uma apanhadora de desperdícios. E, como fraseadora, adubava meus primeiros poemas no jardim florido de minha casa, e colhia versos de criança: simples, mas ausentes de regras.
----Crescera. Aventurara-me em outros livros, de distintos gêneros, mas com igual encanto fora desvendando narrativas e crônicas. Não que as compreendesse: na ausência de sentido - ou melhor, de compreensão - residia o mistério e a beleza dos sons, de adjetivos marcantes e complexos raciocínios de difícil interpretação. Hoje sei que não as entendia, mas a obscuridade, de uma certa forma, abria-me os olhos para o desconhecido.
----Porém, fora no ginásio que ocorrera o episódio que alterara os rumos de minha jornada como leitora. Recordo claramente, no meu primeiro dia, na primeira aula de literatura, do poema "Procura da poesia", de Carlos Drummond de Andrade, proferido pela minha mais nova mestra: "Olha e contempla as palavras: elas têm mil faces secretas sob a face neutra (...) e te perguntam (...) trouxeste a chave?". Contudo, não foram somente os belos sons e sensações que ficaram. Com habilidade, minha mestra colocara os versos à luz da compreensão, "desmatando as selvas de minha ignorância", como disse o poeta. O poema me desafiava a procurar as chaves do conhecimento a fim de buscar a essência intrínseca das palavras, ocultas por subjetivas e desafiadoras faces neutras. Parti, portanto, munida de lirismo - e porque não dizer de amor? - à procura das ''chaves de Drummond".
----Após esse acontecimento que ampliara meus horizontes, uma nova literatura mostrou-se diante meus olhos. Viajei por mares nunca dantes navegados, conheci infernos dantescos e paraísos celestiais; fui testemunha da bravura de Peri e de cruéis navios negreiros em espumas flutuantes; vi o realismo de Machado despir os românticos e os modernistas corajosamente quebrando regras senis; senti na pele a rosa de Hiroxima, "sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada"; e até mesmo deparei-me com pedras no caminho. Aprendi que "cabe a mim pontuar minha própria vida". E continuar com o lirismo. Afinal, navegar é preciso.


Redação do vestibular de verão 2009 da UFMS.

C.

segunda-feira, 2 de março de 2009

A rua dos meninos

Se essa rua, se essa rua fosse minha, não teriam mais meninos nos semáforos a fazer malabarismos por trocados. Não veríamos nenhuma criança sendo explorada para esmolar na frente de restaurantes, implorar por piedade de quem só tem indiferença. Pagariam altas penas aqueles que colassem adesivos mal-educados como um que vi dia desses: " Não sou seu tio, não tenho dinheiro e odeio malabarismos".
Mal sabe essa gente que a maioria dos meninos de rua não sabe ler. Nunca foram à escola, nem mesmo têm onde morar. O futuro para garotos do asfalto é incerto demais. Suas opções se restringem a virar bandido ou ajudante de bandido. Essa é a lei da rua: sobrevive o mais forte, o mais esperto, o mais rápido, o que tem mais sorte. Mas, ah! se essa rua fosse minha...
Se essa rua, se essa rua fosse minha, tiraria todos os meninos de lá. Colocaria cada um em uma cama confortável, com um livro na mão. Ensinaria a ganhar dinheiro sem roubar, a receber salário por um trabalho bem feito. Coisa que a iniciativa pública e privada já deveriam estar fazendo. Afinal, essas crianças são humanas e merecem ser tratadas como tal! Até cachorro tem vida melhor!
Sem meninos nas ruas, sem a nova geração de assaltantes, sequestradores, traficantes e ladrões largados por aí, minha rua seria mais segura. Se essa rua fosse minha, andaríamos desprotegidos a qualquer hora sem medo; e ainda com a certeza de que os garotinhos que limpavam pára-brisas e cuidavam carros fariam um país melhor, já que seriam pessoas melhores.
Existem tantas crianças esquecidas pelo governo e pelos cidadãos que nem sei como cabem nas ruas. Pequenas sementes de uma planta chamada futuro, sem água... sem luz... sem chão. Eu faria uma rua ladrilhada, não com pedrinhas de brilhante, mas cheia de esperança. Mas essa rua não é minha. E os meninos não são de ninguém.

Rebeca

domingo, 1 de março de 2009

Sufoco

Corpo difuso que vira abstrato em espelho. Uma taça de vinho que chora em um canto, cinzeiro transbordando em cinzas. A chuva dança sobre os vidros da janela, os lençóis estão amassados em um canto, o som velho arranhava alguma canção de Neil Young, enquanto ela observava o ventilador rangendo no teto, e ele dormia como uma criança. Levantou-se em busca de um sentido, no quarto iluminado apenas por um abajur velho. Deu alguns passos e notou uma frase na parede “não, solidão, hoje não quero me retocar”. Continuou dando voltas nas pontas dos pés enquanto lia cada frase solta na parede. “Suas ilusões vão te destruir, destruir, destruir”, e o quarto dava voltas, e o mundo instantaneamente tornou-se um só, de súbito veio o sufoco, a agonia, os pés perdem o próprio equilíbrio, a chuva pára a própria dança, os lençóis mudam de lugar, uma canção com guitarras pesadas começa, o cinzeiro vira cacos, a taça volta à sua posição original, o quarto passa a exalar cheiro de roxo, o espelho reflete um corpo que descansa inconsolável sobre o carpete velho.

"não, solidão, hoje não quero me retocar.."

Anne Pearson

sábado, 28 de fevereiro de 2009

29 de Janeiro: dia da saudade

Eu amo tudo o que foi,
tudo o que já não é,
A dor que já não me dói,
A antiga e errônea fé,
o ontem que dor deixou,
o que deixou alegria
Só porque foi, e vôou
E hoje já é outro dia.

Fernando Pessoa.


Que a saudade gere esperanças de novos começos. Deixe o passado passar. E viva mais plenamente o presente. _ Alex Xavier

Moradia

Quando insisti que você ficasse, não foi á tôa. Insisti por acreditar que tudo seria como naquele acordo que assinamos quando lhe entreguei as chaves. Sua moradia estava ali, pronta, intacta, sem nenhum vestígio de imperfeição. Cuidei com carinho, fiz os reparos necessários para que você se sentisse confortável enquanto permanecesse ali. Não, não foi por livre e espotânea vontade. Fiz aquilo apenas para ver um sorriso no seu rosto, e para poder te imaginar tão próximo, satisfeito com aquele ‘projeto de mundo’ que montei para ti - mesmo que aí dentro tudo estivesse ao avesso. O inesperado sempre acontece, só não imaginei que seria tão rápido. Agora sinto cada esforço do seu braço para destruir o lar que construí com tanta afeição aqui dentro. Tirou parte das paredes, mudou a cor das tintas, rasgou os lençóis, destruiu o circuito de energia. Agora, o sangue tenta correr com dificuldade, cada sentimento tenta se controlar para não sentir tristeza ao movimento de cada pancada, esquecimento. Dói fundo. Se eu tivesse uma idéia do que viria a acontecer, teria pensado duas vezes e destruído a moradia antes que você demonstrasse qualquer forma de afeto por ela.

“I need you so much closer. So come on…”

Anne Pearson

É carnaval!

Que tititi é esse que vem da sapucaí? É o Carnaval! Época do ano em que o brasileiro pára o que nem havia começado. O axé bahiano sacode a Bahia, o nordeste inteiro, os salões de todo o Brasil. O samba acolhe o Rio de Janeiro, e não há nenhuma outra atividade na cidade maravilhosa que não envolva uma só batucada. É assim que o brasileiro prova que alegria é seu sobrenome e que, não importam as origens italianas do baile de máscaras, o carnaval é baiano, é carioca, é paulista, é da terra dos tupiniquins e ninguém tasca!
Muitos podem dizer que a festa tradicional perdeu sua essência, que hoje em dia existe apenas um desfile de corpos nus, muito beijo na boca sem sentimentos, balas perdidas, motivo de assaltos, etc. É inegável a veracidade de tais argumentos. Contudo, a folia ainda serve de cartão postal aos milhões de turistas que depositam seus preciosos dólares em cofres nacionais. Hotéis agradecem ,assim como seus muitos empregados e prestadores de serviço. Há quem sonhe com propostas de um segundo carnaval no meio do ano... que venha o Carnaval de inverno! E junto gringos de todos os cantos. Alegria nós temos de sobra.
As fantasias, que obviamente deveriam esconder, revelam personalidades. Há pierrots que se descobrem verdadeiros bailarinos; padres que liberam seu lado galanteador; bailarinas balançando no ritmo de funk, olha lá a cabeleira do zezé! e por aí vai. Ninguém se disfarça debaixo de uma boa máscara, pelo contrário: revela-se.
Animação dura alguns dias, mas sobra um pouquinho para o resto do ano. Quem foge do carnaval não tem a mesma energia para começar o ano como têm os foliões. Dançar, cantar, sambar, sorrir... são formas de dar uma chance a si mesmo, de ser feliz, de viver o momento, e espantar todo o cansaço do ano anterior.
Depois de tudo vem a quarta feira de cinzas; dia de se recuperar da ressaca e começar de novo. Todas as cores se dispersam. Começar de verdade o ano, como sempre, em março. Se as preces de alguns forem atendidas, quem sabe o carnaval de inverno não deixará o ano começar. Então, viveremos em festa! Se a canoa não virar, nós chegamos lá!
rebeca

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Cadáver do Cadáver

--------------orelha fêmur------------
boca-----------------------------cabelo----------- cabelo
------------------------------vísceras
tibia ----------------------------------------pulmão------------------------cabelo
-----------umbigo-------------
-------------------------coxa---------fêmur

---fêmur---------peito---------------------------------artéria
---------------------------------------sexo
-----------------------------quadril-------------mão

-------rádio---------------------------------------------------------coxa
---------------peito ----------------------cabelo---------------ombro
--------------------pescoço-----------------------braço
orelha------------------------------joelho------------------tibia
-----------------------------------------------cabelo
pulmão-----------------peito--------------------------cabelo
-------------------------------------barriga
-------------braço------------------------------tíbia---------------------cabelo


Um cadáver nada delicado,
Um cadáver dilacerado,
Um cadáver real.



Maria.