terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Do entendimento

Se o fogo de meus dragões te abandonam em chamas;
Se um belo dia choro pitangas,
quando na véspera sorri margaridas;
É porque tenho um talento,
disfarçado,
para o drama.
Se te confundo e despedaço seus sentimentos,
e logo depois,
remonto um lego de amores dentro de mim;
Se te confesso sonhos,
e me desespero em pesadelos;
É minha alma em chamas
atrás do frio da minha pele...

Mas se seu sorriso me contempla,
Se tua boca exorcisa meu paradoxo imortal;
Com você sou toda paz,
como num respirar exausto e onírico de criança...

rebeca
Uma vez me disseram que você só pode se apaixonar uma vez na vida. Se for assim, eu estou fudida. Me perdoe a palavra, mas eu não conheço nenhuma melhor para explicar minha situação, afinal, minha primeira paixão foi por uma folha de papel.

Desde que eu me lembro eu sonhava com isso, com o momento que eu pudesse sentar e escrever, o momento que toda a minha mente se acalmava. Essa foi a minha paixão.

E depois disso, eu me considerei quebrada. Se eu gostava das pessoas? Era obvio que sim, mas não era a mesma coisa. Não havia o mesmo desejo. E eu disfarçava rindo e fingindo que tudo que estava bem.

Ainda me lembro da primeira vez que eu senti algo remotamente parecido. Foi a primeira vez que eu senti como uma pessoa normal. E eu deixei de lado minha escrita, dizendo a mim mesma que eu sobreviveria com aquele sentimento, que eu não precisava de algo tão intenso como a minha primeira paixão.

E foi bom enquanto durou, e eu chorei quando acabou. Sofri? Sim. Mas não pelo tempo que eu queria. Porque novamente estava envolta com meus pensamentos e minhas historias. Me odiei por cinco minutos, e então fiz questão de deixar claro para todo mundo a minha volta quão problemática eu era. Não sei mesmo por que fiz isso, talvez quisesse provar algo para alguém, ou talvez escutar que eu não era assim tão problemática.

Não funcionou, e nunca iria funcionar. Eu tenho minhas paixões, ou melhor, minha primeira paixão, e existem coisas que são impossíveis de esquecer. Para algumas pessoas, as normais eu digo, é aquele primeiro namorado, é a mãe e o pai, ou até uma grande amiga.

Para mim, só existe uma coisa que não consigo abandonar, uma coisa que eu não consigo esquecer. E talvez, seja hora de me acostumar com o fato de que eu nunca serei como todos.

Sou uma apaixonada pelo que escrevo, do mesmo jeito talvez, que uma mãe ama um filho, ou uma mulher o seu marido. De vez em quando até mais.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Em tarde ser.

Hoje, acordei mais cedo que de costume, disposto a ser melhor.
Tenho vontade de sair de casa vestido em pijama xadrez mesmo, e distribuir gratuitamente abraços afetuosos aos pedestres. Dizer a eles, "vejam, a vida está aí, e não fazemos por merecê-la, vamos vivê-la, meus caros, vamos ser." Não posso: serei considerado um estrangeiro de minhas faculdades mentais. Ou um drogado. Tudo bem.
Há outras formas de ser melhor.
Lavar a louça, por exemplo. Os copos, os talheres, os pratos, as pequenas vasilhas de inox. Tudo tinindo, brilhante como novo. Ponho-me a observar a espuma do detergente de maçã, tão branca, e as minhas faces, milhões de vezes refletidas na lisa superfície das bolhinhas. Como eu amo fazer bolhas de sabão! É tudo tão nostálgico, e simples, e bonito! Inocente.
Continuo o processo. Enquanto percorro o pano seco sobre os utensílios, imagino que será de minha tarde de hoje. Gostaria de sair um pouco, conversar. Mas vivemos num tempo em que as pessoas já não têm tempo para jogar conversa fora; matar tempo. Hoje, temos que resolver nossos tantos problemas do cotidiano, temos que correr atrás de tudo... Correr atrás do tempo. Hoje, ele é que nos destrói. Ou nós mesmos?
Não importa. De qualquer forma, também eu tenho tanto que fazer!
Não haverá tempo para ser melhor.
Ainda preciso arrumar a casa. Varrer os tantos milímetros de poeira que denunciam minha inadimplência de ontem. Ando pelos cômodos e me esqueço de observar alguns detalhes: o design da cama de solteiro, o trabalho da torneira da pia, o brilho do vidro na mesa de jantar. Os rostos das fotografias penduradas pelas paredes. Não os reconheço mais. Será a ação do tempo? Mais uma vez, ele me passa para trás. Corrói a tinta das imagens, corrói as imagens de minha mente. Por que pensar nisso agora, se ainda há tanto pó para se espanar?
Recolho livros do chão, que há muito já não leio. CDs que há muito não ouço. Roupas que há muito não me servem mais. Guardo tudo em seu respectivo lugar. Deixo a claridade do dia entrar pelas janelas, mas já não há claridade. Caiu a noite. Tranco a porta da frente, contemplo e avalio a arrumação recém-completa. Com a casa organizada, consigo pensar melhor.
Mas aí meu dia já se acabou, a louça se lavou, minha casa se arrumou, mas meu pensamento, que fim levou?
Continuo aqui, fora dos meus padrões, como um alheio de si. Continuo tentando achar respostas, mesmo sem saber quais as perguntas. Continuo soluçando, mesmo com o copo d'água a meros quatro metros de meus dedos.
Continuo sem saber o que fazer hoje à tarde.
E a tarde, coitada, já se tornou crepúsculo.

*

Voss.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

(a figura é o título do texto)







“?”, eu me pergunto.


E aguardo a resposta tênue do eco oco de minha solidão:


“Sonhei contigo. Dia desses.”


Espero que tenha sido bonito. “Tu te lembras?”


“Não.”


“Ah... Também comigo, nunca me recordo.”


Mentira. Lembro-me perfeitamente.


Era uma papelaria. Deus, por que raios uma papelaria? Não sei, mas também isso não importa. O que importa é que eu estava ali, e tu estavas ali também. E estavas linda, como não podia deixar de ser.


E te demoraste um pouco, ficando logo atrás de mim, com um leve sorriso nos lábios. Aquele sorriso que apenas tu consegues produzir com perfeição, sob as amêndoas de teus olhos tão profundamente escuros. Monalisicamente me observando. Segui meu caminho por entre as diversas prateleiras de cadernos capa-dura e brochuras, lápis e borrachas, pincéis e guache, lantejoulas e papéis de carta. Seguido por ti, minha sombra sorridente [e tão amada sem saber].


Ah, os sonhos...


Repentinamente, tu te atiras sobre mim, enlaçando-me o pescoço com teus braços suaves por sobre meus ombros trêmulos. E ali permaneceste, como uma criança em brincadeira, dentes alvos e brilhantes à mostra para meu mais sincero deleite. Neste abraço ficamos alguns instantes. Derreti, claro.


Então tu me olhaste com ternura...


Então tu te aproximaste de mim lentamente...


Então eu pude sentir seu hálito de hortelã roçando de leve no meu pescoço...


Então tu me deste um beijo cheio de calor bem perto da minha boca.


Fecho os olhos. Absorvo cada milímetro do seu toque, sinto [como se estivesse acordado] cada gota de paixão, cada grama de carinho, anexos aos seus lábios. Nada mais faz sequer um barulhinho, nada me atrai mais, nada é visível ou invisível aos olhos. Exceto minha rainha encantada delicadamente me abraçando. É tudo sonho... O melhor deles.


“Eu te amo.”


“O que você disse?”


Desperto de minhas lembranças com teus olhos questionadores. Não parecem tão apaixonados quanto em sonho. “Nada, querida. Nada.”


“Hm.”



Aquele abraço, eu nunca pude esquecê-lo.




Voss[o]