sábado, 31 de janeiro de 2009

Semi- insone

Deitei mais uma vez ensopada de suor. Meu corpo sentia o cansaço da tensão que me fazia ir de uma ponta do colchão à outra repetidamente. O medo de cair da cama me assaltava a toda vez que eu rolava até muito perto da beirada. E também tinha o medo de dormir; além da exaustão que me deixava sonolenta e semiconsciente. Lutei contra aquela onda empírica com todas as forças que restavam ao meu corpo esgotado. Cada batalha perdida representava uma sessão de imagens toscas, mas que me apavoravam!
Fechei os olhos, inquieta. Estava de repente em um mundo liliputiano, perdida e tão pequena quanto Alice depois de sua primeira poção. Veio então uma mão gigantesca e selecionou alguns de meus colegas-miniatura passantes na rua e... eu fui agarrada pelo cabelo; içada até a altura em que outra mão em concha me aparou. As falanges grossas seguravam com cuidado seus brinquedinhos e nos conduziu a um monte de terra. Quando olhei para baixo, formigas ruivas saindo de buracos no chão, ameaçadoras. Caí em direção à sociedade de insetos que me assustava... sabia que estava condenada aos cem anos de solidão...Abri os olhos; sentei-me.
O quarto parecei ainda mais escuro. Lá fora, um carro passou na rua e as luzes formaram contornos na parede- senti tontura e vertigem e deitei-me outra vez. Fechei os olhos. Apareci sentada em uma pilha de livros, ansiosa para devorá-los. Apanhei o primeiro que vi, mas ele estava em branco. Páginas e páginas limpíssimas, vazias... Como eu poderia estudar sem livros? Senti as formigas ruivas subindo no meu tornozelo em fila- como quem carrega uma determinação infernal ou uma ameaça de morte.
Corri até o canto da sala redonda e abarrotada de estantes e agarrei outro exemplar que brilhava. Abri o livro às pressas e as muitas cores e luzes me enjoaram. Senti meu estômago se torcendo e retorcendo... Vomitei toda aquela angústia e desespero de uma só vez. Abri os olhos em busca de um pano e um balde d'água para livrar meus lençóis daquele cheiro insuportável. Contudo, não vi a gosma verde que acabara de sair de minha boca.
Logo que vi a claridade na janela, levantei-me e fui tomar um banho frio. Livre do suor da semi-insônia, saí. Uma caminhada talvez fosse uma boa idéia...


rebeca b.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

rabiscos
Minha mente cansada pensa

pensa

pensa.

não chega a lugar nenhum.



meus sentimentos giram

giram e rodopiam

e eu não chego a lugar algum.



minhas vontades mudam

se enroscam

enroscam...e não me levam à parte alguma



gritei

gritei até não ter forças

e ninguém me ouviu

gritei gritei e não consegui



nada.

fugi.

não escapei.





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saudações prainas de L.Trostky
\O/

O misterioso desaparecimento de D. Maria Glória Pinheiros

Tudo teve início quando, misteriosamente, D. Maria Glória Pinheiros desapareceu. Foi vista pela última vez em Itabira há cinco meses saindo da igreja em disparada, entrando em seu caro zero, acelerando e fugindo para nunca mais voltar, segundo relatos.
O juíz deixou de julgar; o arquiteto, de arquitetar; o cozinheiro, de cozinhar. A cidade agora era movida em torno do estranho desaparecimento de D. Maria Glória Pinheiros.
-Suponho ter sido uma crise existencial, um caso de epifania que estranhamente alterou a vida de D. Maria Glória - sugeria o analista. - Essas crises atingem cada vez mais um contingente maior de pessoas, e D. Maria Glória estava tão apta ao estresse como cada um de nós...
- Pois eu acho que essa sem vergonha estava era fugindo com algum amante! - Exaltava-se a manicure.
O carteiro ansiava por alguma correspondência destinada à D. Maria Glória. O detetive já havia investigado até sua camisola de bolinhas. A comunidade educacional censurava qualquer comentário a respeito do estranho desaparecimento de D. Maria Glória Pinheiros, a fim de proteger as puras mentes das criancinhas de Itabira.
Silencioso, discreto, apenas o padre conhecia as causas do estranho desaparecimento de D. Maria Glória Pinheiros. Não as descobrira por meio de uma confissão. Não desvendara os segredos da alma de D. Maria Glória. Testemunhara, apenas, o terror expresso na límpida face de D. Maria Glória Pinheiros quando ela descobriu as precárias condições de higiene onde eram guardadas as ósteas da paróquia.

kélody.

ps; Em homenagem ao aniversário de uma das poetas vivas. Com todo o meu amor e admiração pelo talento literário de uma das pessoas mais maravilhosas que eu já conheci.
Rebeca B.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Relato de um Delírio Febril

   Era eu mesma, embora um pouco mais negra que o usual, em uma Belo Horizonte antiga. Era também deficiente física, do tipo que usa acessórios de hóquei para a locomoção impossibilitada pelas pernas atrofiadas. Caminhava tranquila em direção ao semáforo, em direção ao ônibus que eu tomaria, caso chegasse a tempo.
   Não cheguei a tempo. A pressa de meus passos e a paciência do motorista não me foram suficientes. Foi quando comecei a flutuar.
   Era eu mesma - aquela que, em delírios anteriores, quando em uma tentativa de suicídio, ao se jogar de um penhasco, só conseguira planar por sobre os montes japoneses. Era eu mesma - aquela que, em delírios anteriores, ao morrer atropelada por um automóvel de coloração escura, encontrara o paraíso como sendo um prédio inundado por águas termais, onde velhinhas em seus maiôs tomavam chá com seus netinhos. Era eu mesma - aquela que, em delírios anteriores, vivera em campos de lavanda, tomando os amigos pelas mãos e convencendo-os de que eles eram capazes de voar comigo, embora muitas vezes o peso-pessimismo de alguns me deixavam em terra. Era também eu mesma - aquela que, em delírios anteriores, ao ser atacada pelo machado de um lenhador, conseguira levantar vôo por tempo suficiente para sobreviver. Era eu mesma - aquela que, não pela primeira vez, voava : Finalmente reconheci algo de familiar em mim.
   Coloquei, então, as peças de hóquei sob meus pés, e percebi que, como os skatistas que passeavam pelo fim de tarde de Belo Horinte, podia também eu manobrar pelos ares. Ainda, aproveitando minha extrema sensação de liberdade, decidi não seguir o ônibus para chegar ao meu destino, como seria o mais racional, mas aproveitar minha baixa desidade para conhecer praças, hotéis, fontes e shows.
   Era eu mesma - uma forasteira. Uma deficiente sendo transportada por meios ilícitos e muito divertidos. Sentia o vento úmido bater em minha face como mil beijinhos leves e molhados. Foi quando encontrei, no banco de uma das históricas praças de BH, O Juiz. Pronto para me multar. "Passando o sinal vermelho, heim?" ou "Desrespeitando os pedestres, há?".
   Era ele - aquele que, quando em um bosque fechado, tentara me atacar com seu machado. Era ele - aquele que, com seus discursos matemáticos e Schopenhaurianos, convencia garotas de que voar é impossível para os humanos. Era ele - aquele capaz de inundar o paraíso, embora incapaz de torná-lo um lugar desagradével. Era ele - aquela idéia contanste de que existe uma realidade fria, da qual eu preciso participar.E foi exatamente isso que me aconteceu. Sem ao menos virar os olhos para a garota que flutuava em acessórios de hóquei sobre sua cabeça coberta por um luxuoso chapéu preto, O Juiz me fez, literalmente, cair - na realidade.
   Freud que me explique.



Roberta Brown.

Devaneios de fruta


Magali que não me escute, mas confesso minha paixão por melancias. Desde criança essa gigantesca e saborosa fruta me delicia. Não apenas pelo doce aguado que fica na boca, mas também por que não há diversão maior do que catar os carocinhos perdidos em uma imensidão de polpa. Bobeira, não? Mas todo mundo tem uma bobeirinha assim. Aparentemente insignificante, minha inocência de criança trouxe valiosos ensinamentos durante o café da manhã.

Em um desses dias em que acordamos inspirados, dispostos a inalar poesia, tive uma percepção incrível. Como melancias são educativas! Meu indefeso alimento se mostrou extremamente similar à minha aguada e insignificante vida. Explico: é fato que meu dia-a-dia não é cheio de surpresas e emoções- por isso aguado. Por outro lado, parece perfeito, previsível e... redondo.

Embora entediante, e um pouco sem gosto, percebi minha existência é bem mais açucarada se comparada aos limões ingeridos pelos miseráveis espalhados pelo mundo. Limões invisíveis, já que - caso fossem reais- faminto nenhum negaria. Porém, mesmo assim limões, pela azedura e pequenez. Não obstante, quão arisca deve ser a vida de altos executivos. Cheis de pompa, coroam-se como abacaxis , sem se importar com os espinhos de seu atribulado serviço.

Ah! Como adoro melancias! São grandes e espaçosas a ponto de poder guardar todos os sonhos que tento realizar. Por fora são verdes, pregando esperança aos espectadores de sua circular formosura. Por dentro, doces.

Sigo então minha vida-melancia, atenta aos caroços problema que permeiam meu espírito. Talvez hoje tenha descoberto o segredo da felicidade: encontrar diversão em catar pontinhos pretos, sem deixá-los tirar o sabor e a doçura da vida.

Rebeca B.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Minha primeira vez

Certa noite eu e as palavras estávamos nos amando. Eram tantos beijos e abraços que a nossa relação começou a esquentar, as idéias começaram a surgir com tanta intensidade que parecia que os papéis iam ser perfurados. De repente, comecei a ouvir vozes e gritos, e imediatamente eu e as palavras paramos de nos amar. Eu fui correndo a janela para ver o que estava acontecendo, tudo parecia agitado na rua, os vizinhos até saíram de suas casas para ver se algo estava errado. Chamei minha proteção divina mais conhecida como mãe, pois estava muito assustada e preocupada. Mamãe logo colocou os seus chinelos de cetim e uma roupa mais quente, segurou a minha mão e me levou junto a sua barriga. Quando saí da minha pequena e humilde casa cor de rosa vários olhares voltaram-se para mim. Não estava entendo o que estava acontecendo. Por quê todos me encaravam?! O Carlos, meu vizinho, veio correndo em minha direção e olhou nos meus olhos dizendo que eu era quem estava gritando. Um absurdo! Como eu estaria gritando se estava fazendo poemas? Carlos insistia e ainda dizia que meus gritos eram de prazer. Não podia acreditar em tamanho absurdo, mas horas de discussão se passaram e tudo foi voltando ao normal, todos acreditaram que os gritos não eram meus e que Carlos estava louco. Eu e mamãe voltamos para nossa casa e fui direto ler o que eu havia escrito naquela noite. Peguei meu caderninho de capa cinza, abri nas páginas finais e procurei pela escrito do dia de hoje... Quase não acreditei no que meus olhos liam! Era o mais belo poema já feito por mim! Estou chocada e muito alegre confesso, porém acho que devo desculpas ao Carlos pois os gritos eram realmente meus e sim, eram de MUITO prazer. Quanta satisfação! Meu primeiro orgasmo havia sido com as palavras: delicioso e escandaloso.

Ju Violetine