Ninguém: Qual o seu nome, cavalheiro?
Todo-Mundo: Eu me chamo Todo-Mundo e todo meu tempo busco dinheiro, e sempre nisso me fundo.
Ninguém: Eu me chamo Ninguém e busco a Consciência.
Belzebu: Eis uma boa experiência: Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, Companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência e Todo-mundo dinheiro.
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo-Mundo: Busco honra muito grande
Ninguém: Eu, virtude, que Deus ordene que a encontre já.
Belzebu: Outra adição: escreve logo aí, que honra Todo-Mundo busca e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas outro bem maior que esse?
Todo-Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto fizesse
Ninguém: E eu quem me repreendesse em cada coisa que errasse.
Belzebu: Escreve mais
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que Todo-Mundo quer em extremo grau ser louvado, e ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas mais, amigo meu?
Todo-Mundo: Busco a vida e quem ma dê.
Ninguém: A vida nem sei que é, e a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve lá outra sorte
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Todo-Mundo busca a vida e Ninguém conhece a morte.
Todo-Mundo: E mais queria o Paraíso sem a ninguém estorvar.
Ninguém: E eu por ter a pagar quanto devo para isso.
Belzebu: Escreva com muito aviso
Dinato: Que escreverei?
Belzebu: Escreve que Todo-Mundo quer Paraíso e Ninguém paga o que deve.
Todo-Mundo: Folgo muito em enganar e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora escreve lá compadre, não sejas tu preguiçoso
Dinato: Que?
Belzebu: Que Todo-Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade.
Ninguém: Que mais buscais?
Todo-Mundo: Lisonjear
Ninguém: Eu sou todo desengano
Belzebu: Escreve, anda lá mano
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí bem declarado: Todo-Mundo é lisonjeiro, e Ninguém desenganado.
Gil Vicente.
Que todo mundo seja como Ninguém
A distinção entre bem e mal existe desde a época em que homem explicava o mundo pela mitologia. A ontologia que sucedeu Sócrates criou um novo termo para analisar as atividades humanas: ética. Conceito amplo, em geral ser ético significa se abster de preconceitos, ou o estudo das ações que levam o homem ao bem viver. Definir o bem, contudo, torna o problema de difícel resolução. Cada sociedade complementa a noção de ética com os princípios que julga superiores.
A palavra ética deriva do grego
ethos e é etimologicamente sinônima à moral, do latim mos. No entanto, enquanto ética é universal, permanente, teórica e dependente de um princípio; moral é cultural, temporal, prática e referente a condutas específicas. A ética é, por fim, necessária ao viver em sociedade, visto que da base a leis impessoais de convívio e respeito.Por não ser um conceito absoluto, a moral envolve polêmicas como vencer ou jogar limpo, ciência com cobaias ou sem, ser amigo ou ser justo.
O uso de cobaias é absolutamente antiético para alguns, pois o respeito aos animais é adotado como valor superior. Para outros, a necessidade de levar adiante experimentos que podem salvar vidas humanas é ainda mais importante que o direito dos bichanos. É inexorável, que culturas diferentes criem condutas éticas diferentes.
No esporte, o desejo de vitória muitas vezes impede que o competidor se abstenha do prêmio para se manter fiel à ética da competição. É difícil renunciar a um sonho, mas o respeito ao próximo deveria ser o principal motivo de satisfação. Infelizmente, os critérios adotados para definir a ética pessoal são, muitas vezes, distorcidos . Esquecem que o principal objetivo da
ética é o bem viver em sociedade e ela inclui, com impressivo destaque, o respeito e consideração ao outro
Por mais redundante que pareça, é preciso zelar pela ética moral – na qual as regras devem ser obedecidas. Agir com fidelidade às leis e princípios mais nobres invalida meios imorais, tantas vezes justificados pelos fins. Não obstante, quem diz que os tempos mudaram e pensa ser esse um bom discurso para roubar cofres públicos, desrespeitar os mais velhos, mentir e cometer injustiças precisa rever o conceito situacional, falso, no qual terminou sua eticidade.
O canconeiro geral Gil Vicente escreveu sobre a postura amoral que mantinha a sociedade portuguesa na Idade Média. Em sua peça os personagens Todo Mundo e Ninguém dizem a que vieram: o primeiro busca ser reconhecido e admirado, o segundo busca princípios. A alegoria mostra que o desinteresse da maioria por valores verdadeiros é antigo.
Por mais enraizada na história que essa distorção de princípios esteja, a eterna vigilância é a resposta para que os seres humanos não se afundem em desonestidade, corrupção e enganações. Somente ações de justiça causam alguma mudança, pois como disse Padre Antônio Vieira: “ Palavras são como tiros sem balas, atroem mas não ferem”.
Rebeca
sexta-feira, 24 de julho de 2009
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Pelos Umidificadores de Ar
Roberta levantou-se do sofá.
Roberta siplesmente tinha sede. Não era de amor, de esperança, de paz ou de Deus. Era apenas a necesssidade natural do corpo de repor o líquido do corpo.
Roberta caminhava agora em direção à cozinha. Não pensava, apenas observava o ambiente. Os potes de açúcar e café, os ovos fora da geladeira prestes a apodrecer, seus pés e suas unhas por fazer, os pêlos que seu gato soltara pelo chão.
Decidiu então que seria anti-higienico andar desacalça em um chão tão sujo. Subiu as escadas para buscar um par de pantufas. Dirigiu-se ao seu quarto, abriu seu guarda roupas e lá estavam elas: seus coelhinhos de pelúcia perfeitamente anatomizados para seus delicados pezinhos.
"Não tão delicados assim", pensou Roberta ao ver suas nojentas unhas encravadas. "O que minha filha pensará de mim ao encontrar meus pés neste estado? Não posso dar-lhe mau exemplo, e em menos de uma hora ela chega da escola. Melhor tratar esses monstrinhos".
Aproveitando que ainda estava em seu quarto, ela pegou sua lixa, seus esmaltes, tesoura, acetona, algodão, palitinho e cremes e iniciou seu ritual de fazer pé. Roberta ainda tinha sede.
Ao ver seus pés perfeitos, porém molhados, lembrou-se: Deixara copo e água na cozinha, ainda por beber. No entanto, não poderia descer imediatamente, pois suas unhas ainda estavam molhadas, e coloca-las dentro das pantufas estragariam sua recém criada obra de arte.
Roberta esperou o esmalte secar, colocou as pantufas, desceu as escadas e dirigiu-se à cozinha. Ao chegar próxima a esta, Roberta reencontrou os pêlos de seu gato espalhados pelo chão. O que seria de seus felpudos coelhinhos azuis se entrassem em contato com aquela pelagem branca e selvagem? Era necessária uma faxina, urgentemente.Roberta então pegou sua vassoura e iniciou o processo de higienização do ambiente gastronômico. É importante, ainda, ressaltar que Roberta não saciara sua sede.
Após aproximadamente meia hora, a cozinha brilhava. Como mãe de família eficaz que era, Roberta não conteve-se apenasem varrer, mas decidiu jogar uma água, passar veja e polir o chão: Um brinco.
Feliz por finalmente poder beber sua aguinha, Roberta suspirou, deu seus primeiros passos rumo ao seu prêmio cristalino. Foi aí que o interfone tocou. Era sua filha chegando da escola.
Chovia. Roberta, como boa mãe que era, não deixaria sua pequena a esperar do lado de fora. Pegou as chaves, o guarda-chuva, e foi abrir o portão.
- Como foi seu dia, querida?
- Ah, mãe, não enche!
Roberta não podia acreditar. Passara a tarde inteira preparando o lar para a filha, nem sequer bebera água, para chegar ao fim do dia e ouvir uma dessas? Era inadmissível! O mundo é injusto, os filhos são mal educados, gratidão é mera ilusão bíblica e seu gato (que na verdade nem era seu, era de sua filha mal criada) reapareceu pela cozinha para soltar novamente seus pêlos nojentos!
Roberta ainda tinha sede. Roberta transpirava. Roberta estava enlouquecida de raiva daquela maldita adolescente.
- Mãe, você tá legal? Porque está vermelha?
Roberta faleceu às oito e quinze da noite do dia primeiro de julho na Santa Casa de Campo Grande. Os médicos afirmaram que Roberta tivera uma crise de pânico, seguida por desidratação.
Moral da história: Tempestade em copo d'água não necessariamente mata sede.
Maria.
Roberta siplesmente tinha sede. Não era de amor, de esperança, de paz ou de Deus. Era apenas a necesssidade natural do corpo de repor o líquido do corpo.
Roberta caminhava agora em direção à cozinha. Não pensava, apenas observava o ambiente. Os potes de açúcar e café, os ovos fora da geladeira prestes a apodrecer, seus pés e suas unhas por fazer, os pêlos que seu gato soltara pelo chão.
Decidiu então que seria anti-higienico andar desacalça em um chão tão sujo. Subiu as escadas para buscar um par de pantufas. Dirigiu-se ao seu quarto, abriu seu guarda roupas e lá estavam elas: seus coelhinhos de pelúcia perfeitamente anatomizados para seus delicados pezinhos.
"Não tão delicados assim", pensou Roberta ao ver suas nojentas unhas encravadas. "O que minha filha pensará de mim ao encontrar meus pés neste estado? Não posso dar-lhe mau exemplo, e em menos de uma hora ela chega da escola. Melhor tratar esses monstrinhos".
Aproveitando que ainda estava em seu quarto, ela pegou sua lixa, seus esmaltes, tesoura, acetona, algodão, palitinho e cremes e iniciou seu ritual de fazer pé. Roberta ainda tinha sede.
Ao ver seus pés perfeitos, porém molhados, lembrou-se: Deixara copo e água na cozinha, ainda por beber. No entanto, não poderia descer imediatamente, pois suas unhas ainda estavam molhadas, e coloca-las dentro das pantufas estragariam sua recém criada obra de arte.
Roberta esperou o esmalte secar, colocou as pantufas, desceu as escadas e dirigiu-se à cozinha. Ao chegar próxima a esta, Roberta reencontrou os pêlos de seu gato espalhados pelo chão. O que seria de seus felpudos coelhinhos azuis se entrassem em contato com aquela pelagem branca e selvagem? Era necessária uma faxina, urgentemente.Roberta então pegou sua vassoura e iniciou o processo de higienização do ambiente gastronômico. É importante, ainda, ressaltar que Roberta não saciara sua sede.
Após aproximadamente meia hora, a cozinha brilhava. Como mãe de família eficaz que era, Roberta não conteve-se apenasem varrer, mas decidiu jogar uma água, passar veja e polir o chão: Um brinco.
Feliz por finalmente poder beber sua aguinha, Roberta suspirou, deu seus primeiros passos rumo ao seu prêmio cristalino. Foi aí que o interfone tocou. Era sua filha chegando da escola.
Chovia. Roberta, como boa mãe que era, não deixaria sua pequena a esperar do lado de fora. Pegou as chaves, o guarda-chuva, e foi abrir o portão.
- Como foi seu dia, querida?
- Ah, mãe, não enche!
Roberta não podia acreditar. Passara a tarde inteira preparando o lar para a filha, nem sequer bebera água, para chegar ao fim do dia e ouvir uma dessas? Era inadmissível! O mundo é injusto, os filhos são mal educados, gratidão é mera ilusão bíblica e seu gato (que na verdade nem era seu, era de sua filha mal criada) reapareceu pela cozinha para soltar novamente seus pêlos nojentos!
Roberta ainda tinha sede. Roberta transpirava. Roberta estava enlouquecida de raiva daquela maldita adolescente.
- Mãe, você tá legal? Porque está vermelha?
Roberta faleceu às oito e quinze da noite do dia primeiro de julho na Santa Casa de Campo Grande. Os médicos afirmaram que Roberta tivera uma crise de pânico, seguida por desidratação.
Moral da história: Tempestade em copo d'água não necessariamente mata sede.
Maria.
sábado, 18 de julho de 2009
A Geração Lost
Discurso sem propósito.
Nós nunca seremos quem somos hoje, não seremos tão belos, tão cheios do que nos preenche tão plenamente. Não diremos amanhã o que dizemos hoje, não reagiremos da mesma forma que reagimos... Nenhuma dor doerá tanto quanto a presente, nenhuma saudade nos fará sangrar tanto, nenhum amor será maior, nenhuma decepção virá depois desta, nenhum vazio será tão triste quanto este que insiste em nos ocupar neste dia.
Todos os dias essa premissa será verdadeira, todos os dias seremos um novo alguém, um fugaz personagem que morre toda manhã para que outro assuma o centro do palco. Assim como nem mil cartas de amor explicam o amor melhor que um beijo apaixonado, nem todos os nihilistas russos reunidos saberiam descrever a sufocante sensação de vazio e desespero que sentimos quando o choro rompe o silêncio do quarto vazio.
A vida segue sem nós, o tempo escorrendo por nossas cabeças não espera que estejamos prontos para ele, corre como o rio para o mar, e chega aos pés antes que possamos sentir a deliciosa sensação que a água gelada provoca nos nossos corpos febris.
Algumas pessoas são obcecadas com o tempo presente, vivem ao máximo, divertem-se sem medir consequência, ferem-se e não se importam; outras se resguardam para o futuro, para um dia melhor, para uma possibilidade, para uma alegria futura. Nós não. Nós estamos perdidos em algum lugar no meio dessa confluência de idéias. Queremos a vivacidade do dia de hoje, o frescor da pele jovem, o entusiasmo infantil, mas queremos também fazer planos para a senilidade, queremos ter dinheiro para fazer um dia uma grande viagem.
Sentimos o ímpeto de devorar a vida com as mãos, engolir todas as guloseimas que estiverem sobre a mesa, saborear toda a variedade de quitutes e delícias exóticas... hesitamos. Pensamos na saúde, na estética, nos bons modos. Trazemos as mãos de volta ao colo, e pensamos. Pensamos. Pensamos. A vontade de fazer, a necessidade de parar. Os dois extremos, tão distantes quanto nossos próprios corações, que cravados no peito fogem ao encontro do ser amado. No fim... entre fazer e não fazer, sentir e rejeitar, nós nos vemos estagnados numa idéia, num furacão de ponderações.
Somos tão incapazes de encontrar o equílibrio de que tanto necessitamos. Queremos serenidade mas adoramos o caos. Não queremos ficar surdos, mas aumentamos o volume para sentir a bateria batucando por dentro de nossos corpos. Queremos aproveitar o jantar, mas fechamos a boca em respeito às calorias.
Estamos perdidos. Queremos muito e não fazemos. Fazemos demais e estragamos tudo. Não temos líderes nem heróis. Não temos uma luta. Não erguemos bandeiras. Dormimos e não descansamos. Sonhamos durante a vigília. Fazemos tudo errado.
Perdemos tempo falando sobre perder tempo. Assistimos nossas aspirações fugirem ao nosso alcance e nossas esperanças voarem com o vento. Ainda assim, estamos parados. No caminho para algum-lugar esquecemos pra onde estávamos indo, e não nos recordamos do caminho de volta. Necessitamos ajuda e não a pedimos.
As maçãs do rosto começam a murchar, os pensamentos vívidos vão perdendo cor pouco a pouco, a areia do tempo já chega aos nossos joelhos e nós ainda estamos absortos dentro de nossa própria existência, ensurdecidos com o som do desconhecido silêncio... a vida tenta nos despertar e nós continuamos aproveitando cinco minutinhos a mais. Até quando?
Somos um projeto que falhou. Reconhecemos o erro mas não sabemos conserta-lo. Talvez não queiramos arrumar tudo o que está errado, talvez gostemos do estado permanente de crise... quem sabe nos sentimos confortáveis em tempos de instabilidade.
Corremos em direção uns aos outros, tropeçamos, trombamos, batemos, esbarramos, estamos conscientes disso, mas precisamos sentir o toque. Queremos sentir que estamos todos aqui. Nos é vital saber que o sanatório não está vazio, que ainda que o mundo nos rejeite, nós acolhemos uns aos outros e que continuamos aqui. Sempre aqui.
Vamos de mãos dadas, já não faz sentido andar sozinho. Se vamos todos cair, então que caiamos juntos... de mãos dadas o medo parece não importar, eu não vou fechar os olhos, mas se quiserem fechar os seus eu cuido de contar-lhes tudo o que desaba a nossa volta.
O mundo gira tão rápido e a caneta agora treme em minhas mãos. Apague a luz! Shhhhhh. Eles estão voltando. Shhhhhhhhhh.
Arbórea da Silva Sauro
Nós nunca seremos quem somos hoje, não seremos tão belos, tão cheios do que nos preenche tão plenamente. Não diremos amanhã o que dizemos hoje, não reagiremos da mesma forma que reagimos... Nenhuma dor doerá tanto quanto a presente, nenhuma saudade nos fará sangrar tanto, nenhum amor será maior, nenhuma decepção virá depois desta, nenhum vazio será tão triste quanto este que insiste em nos ocupar neste dia.
Todos os dias essa premissa será verdadeira, todos os dias seremos um novo alguém, um fugaz personagem que morre toda manhã para que outro assuma o centro do palco. Assim como nem mil cartas de amor explicam o amor melhor que um beijo apaixonado, nem todos os nihilistas russos reunidos saberiam descrever a sufocante sensação de vazio e desespero que sentimos quando o choro rompe o silêncio do quarto vazio.
A vida segue sem nós, o tempo escorrendo por nossas cabeças não espera que estejamos prontos para ele, corre como o rio para o mar, e chega aos pés antes que possamos sentir a deliciosa sensação que a água gelada provoca nos nossos corpos febris.
Algumas pessoas são obcecadas com o tempo presente, vivem ao máximo, divertem-se sem medir consequência, ferem-se e não se importam; outras se resguardam para o futuro, para um dia melhor, para uma possibilidade, para uma alegria futura. Nós não. Nós estamos perdidos em algum lugar no meio dessa confluência de idéias. Queremos a vivacidade do dia de hoje, o frescor da pele jovem, o entusiasmo infantil, mas queremos também fazer planos para a senilidade, queremos ter dinheiro para fazer um dia uma grande viagem.
Sentimos o ímpeto de devorar a vida com as mãos, engolir todas as guloseimas que estiverem sobre a mesa, saborear toda a variedade de quitutes e delícias exóticas... hesitamos. Pensamos na saúde, na estética, nos bons modos. Trazemos as mãos de volta ao colo, e pensamos. Pensamos. Pensamos. A vontade de fazer, a necessidade de parar. Os dois extremos, tão distantes quanto nossos próprios corações, que cravados no peito fogem ao encontro do ser amado. No fim... entre fazer e não fazer, sentir e rejeitar, nós nos vemos estagnados numa idéia, num furacão de ponderações.
Somos tão incapazes de encontrar o equílibrio de que tanto necessitamos. Queremos serenidade mas adoramos o caos. Não queremos ficar surdos, mas aumentamos o volume para sentir a bateria batucando por dentro de nossos corpos. Queremos aproveitar o jantar, mas fechamos a boca em respeito às calorias.
Estamos perdidos. Queremos muito e não fazemos. Fazemos demais e estragamos tudo. Não temos líderes nem heróis. Não temos uma luta. Não erguemos bandeiras. Dormimos e não descansamos. Sonhamos durante a vigília. Fazemos tudo errado.
Perdemos tempo falando sobre perder tempo. Assistimos nossas aspirações fugirem ao nosso alcance e nossas esperanças voarem com o vento. Ainda assim, estamos parados. No caminho para algum-lugar esquecemos pra onde estávamos indo, e não nos recordamos do caminho de volta. Necessitamos ajuda e não a pedimos.
As maçãs do rosto começam a murchar, os pensamentos vívidos vão perdendo cor pouco a pouco, a areia do tempo já chega aos nossos joelhos e nós ainda estamos absortos dentro de nossa própria existência, ensurdecidos com o som do desconhecido silêncio... a vida tenta nos despertar e nós continuamos aproveitando cinco minutinhos a mais. Até quando?
Somos um projeto que falhou. Reconhecemos o erro mas não sabemos conserta-lo. Talvez não queiramos arrumar tudo o que está errado, talvez gostemos do estado permanente de crise... quem sabe nos sentimos confortáveis em tempos de instabilidade.
Corremos em direção uns aos outros, tropeçamos, trombamos, batemos, esbarramos, estamos conscientes disso, mas precisamos sentir o toque. Queremos sentir que estamos todos aqui. Nos é vital saber que o sanatório não está vazio, que ainda que o mundo nos rejeite, nós acolhemos uns aos outros e que continuamos aqui. Sempre aqui.
Vamos de mãos dadas, já não faz sentido andar sozinho. Se vamos todos cair, então que caiamos juntos... de mãos dadas o medo parece não importar, eu não vou fechar os olhos, mas se quiserem fechar os seus eu cuido de contar-lhes tudo o que desaba a nossa volta.
O mundo gira tão rápido e a caneta agora treme em minhas mãos. Apague a luz! Shhhhhh. Eles estão voltando. Shhhhhhhhhh.
Arbórea da Silva Sauro
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Ao norte, a felicidade
Alcançar um objetivo traz felicidade, por vezes apenas persegui-lo também. Encontrar um amor, bons amigos. Ter muitos sonhos, ter várias saudades. São tão alheios a si mesmos os caminhos para a felicidade, que persiste a dúvida: algum deles termina afinal na terra dos hiperbóreos?
Sócrates defendia a virtude com razão da felicidade. E um homem virtuoso é aquele que detém conhecimento. Sapere Audi! - é a rega. No entanto, antes que filosofias de cicuta e imperativos categóricos envenenem o pensamento: o que é felicidade?
Um olhar epicurista e a resposta se revela: a ausência de dor é esse bom augúrio por todos almejado. Para Aristóteles, ser feliz é ser capaz de equilibrar virtudes. Um estado de completa satisfação; sensação de textura tão etérea que - volátil- se perde na brisa mais suave. A felicidade é plenitude, mas é também frágil.
Conscientes de ser o prazer apenas alegria passageira, impossível considerá-lo plenitude. Enquanto o prazer distrai, a felicidade constrói. Ele é, enquanto desejo mundano, a manifestação de qualquer espécie de satisfação incompleta. Por isso, a felicidade, por ser exclusivamente humana e racional, eleva e emana.
Buscar a justiça, o amor, a liberdade não são sozinhas tarefas bastantes. A felicidade, contudo, engloba todos esses valores e desejos. O contentamento da alegria permanente se partilha com justiça e amor. A liberdade, por sua vez, é o início da Vida; é quando um indivíduo inaugura a si mesmo e se lança nessa batalha louca à felicidade.
Com sorte, autonomia e determinação é possível equilibrar-se na corda bamba da vida sem cair em chão duro e doloroso. E assim, pé ante pé, chegamos ao meio do caminho: metros de corda percorridos, léguas ainda por bambear. A felicidade - a revelia dos contos de fadas- não é eterna e estática. É, na verdade, dinâmica e mutante. Flexível, o homem buscará sempre este horizonte: o Norte, onde vivem os hiperbóreos. Onde todos são felizes e perfeitos e onde- a despeito de sempre caminhar- quem sabe o homem nunca chegará.
rebeca
Sócrates defendia a virtude com razão da felicidade. E um homem virtuoso é aquele que detém conhecimento. Sapere Audi! - é a rega. No entanto, antes que filosofias de cicuta e imperativos categóricos envenenem o pensamento: o que é felicidade?
Um olhar epicurista e a resposta se revela: a ausência de dor é esse bom augúrio por todos almejado. Para Aristóteles, ser feliz é ser capaz de equilibrar virtudes. Um estado de completa satisfação; sensação de textura tão etérea que - volátil- se perde na brisa mais suave. A felicidade é plenitude, mas é também frágil.
Conscientes de ser o prazer apenas alegria passageira, impossível considerá-lo plenitude. Enquanto o prazer distrai, a felicidade constrói. Ele é, enquanto desejo mundano, a manifestação de qualquer espécie de satisfação incompleta. Por isso, a felicidade, por ser exclusivamente humana e racional, eleva e emana.
Buscar a justiça, o amor, a liberdade não são sozinhas tarefas bastantes. A felicidade, contudo, engloba todos esses valores e desejos. O contentamento da alegria permanente se partilha com justiça e amor. A liberdade, por sua vez, é o início da Vida; é quando um indivíduo inaugura a si mesmo e se lança nessa batalha louca à felicidade.
Com sorte, autonomia e determinação é possível equilibrar-se na corda bamba da vida sem cair em chão duro e doloroso. E assim, pé ante pé, chegamos ao meio do caminho: metros de corda percorridos, léguas ainda por bambear. A felicidade - a revelia dos contos de fadas- não é eterna e estática. É, na verdade, dinâmica e mutante. Flexível, o homem buscará sempre este horizonte: o Norte, onde vivem os hiperbóreos. Onde todos são felizes e perfeitos e onde- a despeito de sempre caminhar- quem sabe o homem nunca chegará.
rebeca
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