sexta-feira, 24 de julho de 2009

A lição de Belzebu

Ninguém: Qual o seu nome, cavalheiro?
Todo-Mundo: Eu me chamo Todo-Mundo e todo meu tempo busco dinheiro, e sempre nisso me fundo.
Ninguém: Eu me chamo Ninguém e busco a Consciência.

Belzebu: Eis uma boa experiência: Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, Companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência e Todo-mundo dinheiro.
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo-Mundo: Busco honra muito grande

Ninguém: Eu, virtude, que Deus ordene que a encontre já.
Belzebu: Outra adição: escreve logo aí, que honra Todo-Mundo busca e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas outro bem maior que esse?
Todo-Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto fizesse
Ninguém: E eu quem me repreendesse em cada coisa que errasse.
Belzebu: Escreve mais
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que Todo-Mundo quer em extremo grau ser louvado, e ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas mais, amigo meu?

Todo-Mundo: Busco a vida e quem ma dê.
Ninguém: A vida nem sei que é, e a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve lá outra sorte
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Todo-Mundo busca a vida e Ninguém conhece a morte.
Todo-Mundo: E mais queria o Paraíso sem a ninguém estorvar.
Ninguém: E eu por ter a pagar quanto devo para isso.

Belzebu: Escreva com muito aviso
Dinato: Que escreverei?

Belzebu: Escreve que Todo-Mundo quer Paraíso e Ninguém paga o que deve.
Todo-Mundo: Folgo muito em enganar e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora escreve lá compadre, não sejas tu preguiçoso

Dinato: Que?
Belzebu: Que Todo-Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade.

Ninguém: Que mais buscais?
Todo-Mundo: Lisonjear
Ninguém: Eu sou todo desengano
Belzebu: Escreve, anda lá mano
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí bem declarado: Todo-Mundo é lisonjeiro, e Ninguém desenganado.


Gil Vicente.

Que todo mundo seja como Ninguém

A distinção entre bem e mal existe desde a época em que homem explicava o mundo pela mitologia. A ontologia que sucedeu Sócrates criou um novo termo para analisar as atividades humanas: ética. Conceito amplo, em geral ser ético significa se abster de preconceitos, ou o estudo das ações que levam o homem ao bem viver. Definir o bem, contudo, torna o problema de difícel resolução. Cada sociedade complementa a noção de ética com os princípios que julga superiores.
A palavra ética deriva do grego
ethos e é etimologicamente sinônima à moral, do latim mos. No entanto, enquanto ética é universal, permanente, teórica e dependente de um princípio; moral é cultural, temporal, prática e referente a condutas específicas. A ética é, por fim, necessária ao viver em sociedade, visto que da base a leis impessoais de convívio e respeito.Por não ser um conceito absoluto, a moral envolve polêmicas como vencer ou jogar limpo, ciência com cobaias ou sem, ser amigo ou ser justo.
O uso de cobaias é absolutamente antiético para alguns, pois o respeito aos animais é adotado como valor superior. Para outros, a necessidade de levar adiante experimentos que podem salvar vidas humanas é ainda mais importante que o direito dos bichanos. É inexorável, que culturas diferentes criem condutas éticas diferentes.
No esporte, o desejo de vitória muitas vezes impede que o competidor se abstenha do prêmio para se manter fiel à ética da competição. É difícil renunciar a um sonho, mas o respeito ao próximo deveria ser o principal motivo de satisfação. Infelizmente, os critérios adotados para definir a ética pessoal são, muitas vezes, distorcidos . Esquecem que o principal objetivo da
ética é o bem viver em sociedade e ela inclui, com impressivo destaque, o respeito e consideração ao outro
Por mais redundante que pareça, é preciso zelar pela ética moral – na qual as regras devem ser obedecidas. Agir com fidelidade às leis e princípios mais nobres invalida meios imorais, tantas vezes justificados pelos fins. Não obstante, quem diz que os tempos mudaram e pensa ser esse um bom discurso para roubar cofres públicos, desrespeitar os mais velhos, mentir e cometer injustiças precisa rever o conceito situacional, falso, no qual terminou sua eticidade.
O canconeiro geral Gil Vicente escreveu sobre a postura amoral que mantinha a sociedade portuguesa na Idade Média. Em sua peça os personagens Todo Mundo e Ninguém dizem a que vieram: o primeiro busca ser reconhecido e admirado, o segundo busca princípios. A alegoria mostra que o desinteresse da maioria por valores verdadeiros é antigo.
Por mais enraizada na história que essa distorção de princípios esteja, a eterna vigilância é a resposta para que os seres humanos não se afundem em desonestidade, corrupção e enganações. Somente ações de justiça causam alguma mudança, pois como disse Padre Antônio Vieira: “ Palavras são como tiros sem balas, atroem mas não ferem”.

Rebeca

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