Roberta levantou-se do sofá.
Roberta siplesmente tinha sede. Não era de amor, de esperança, de paz ou de Deus. Era apenas a necesssidade natural do corpo de repor o líquido do corpo.
Roberta caminhava agora em direção à cozinha. Não pensava, apenas observava o ambiente. Os potes de açúcar e café, os ovos fora da geladeira prestes a apodrecer, seus pés e suas unhas por fazer, os pêlos que seu gato soltara pelo chão.
Decidiu então que seria anti-higienico andar desacalça em um chão tão sujo. Subiu as escadas para buscar um par de pantufas. Dirigiu-se ao seu quarto, abriu seu guarda roupas e lá estavam elas: seus coelhinhos de pelúcia perfeitamente anatomizados para seus delicados pezinhos.
"Não tão delicados assim", pensou Roberta ao ver suas nojentas unhas encravadas. "O que minha filha pensará de mim ao encontrar meus pés neste estado? Não posso dar-lhe mau exemplo, e em menos de uma hora ela chega da escola. Melhor tratar esses monstrinhos".
Aproveitando que ainda estava em seu quarto, ela pegou sua lixa, seus esmaltes, tesoura, acetona, algodão, palitinho e cremes e iniciou seu ritual de fazer pé. Roberta ainda tinha sede.
Ao ver seus pés perfeitos, porém molhados, lembrou-se: Deixara copo e água na cozinha, ainda por beber. No entanto, não poderia descer imediatamente, pois suas unhas ainda estavam molhadas, e coloca-las dentro das pantufas estragariam sua recém criada obra de arte.
Roberta esperou o esmalte secar, colocou as pantufas, desceu as escadas e dirigiu-se à cozinha. Ao chegar próxima a esta, Roberta reencontrou os pêlos de seu gato espalhados pelo chão. O que seria de seus felpudos coelhinhos azuis se entrassem em contato com aquela pelagem branca e selvagem? Era necessária uma faxina, urgentemente.Roberta então pegou sua vassoura e iniciou o processo de higienização do ambiente gastronômico. É importante, ainda, ressaltar que Roberta não saciara sua sede.
Após aproximadamente meia hora, a cozinha brilhava. Como mãe de família eficaz que era, Roberta não conteve-se apenasem varrer, mas decidiu jogar uma água, passar veja e polir o chão: Um brinco.
Feliz por finalmente poder beber sua aguinha, Roberta suspirou, deu seus primeiros passos rumo ao seu prêmio cristalino. Foi aí que o interfone tocou. Era sua filha chegando da escola.
Chovia. Roberta, como boa mãe que era, não deixaria sua pequena a esperar do lado de fora. Pegou as chaves, o guarda-chuva, e foi abrir o portão.
- Como foi seu dia, querida?
- Ah, mãe, não enche!
Roberta não podia acreditar. Passara a tarde inteira preparando o lar para a filha, nem sequer bebera água, para chegar ao fim do dia e ouvir uma dessas? Era inadmissível! O mundo é injusto, os filhos são mal educados, gratidão é mera ilusão bíblica e seu gato (que na verdade nem era seu, era de sua filha mal criada) reapareceu pela cozinha para soltar novamente seus pêlos nojentos!
Roberta ainda tinha sede. Roberta transpirava. Roberta estava enlouquecida de raiva daquela maldita adolescente.
- Mãe, você tá legal? Porque está vermelha?
Roberta faleceu às oito e quinze da noite do dia primeiro de julho na Santa Casa de Campo Grande. Os médicos afirmaram que Roberta tivera uma crise de pânico, seguida por desidratação.
Moral da história: Tempestade em copo d'água não necessariamente mata sede.
Maria.
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