quarta-feira, 11 de março de 2009
À procura das "chaves de Drummond"
----Tivera meu primeiro contato com a magia das palavras nos meus doces verdes anos. Naquele tempo, descobrira, nas palavras de minha tia, a poesia sinestésica de Cecília Meireles, que me guiava na descoberta fantástica de um mundo novo aos meus inocentes olhos. A profusão de sentidos inundava-me de efêmeras sensações, coloridas e saborosas como balinhas de frutas sortidas. À medida que aprendia a tarefa áruda da leitura e escrita, minha comunhão com as palavras tornava-se mais íntima. Vejo agora que eu era, como Manoel de Barros disse, uma apanhadora de desperdícios. E, como fraseadora, adubava meus primeiros poemas no jardim florido de minha casa, e colhia versos de criança: simples, mas ausentes de regras.
----Crescera. Aventurara-me em outros livros, de distintos gêneros, mas com igual encanto fora desvendando narrativas e crônicas. Não que as compreendesse: na ausência de sentido - ou melhor, de compreensão - residia o mistério e a beleza dos sons, de adjetivos marcantes e complexos raciocínios de difícil interpretação. Hoje sei que não as entendia, mas a obscuridade, de uma certa forma, abria-me os olhos para o desconhecido.
----Porém, fora no ginásio que ocorrera o episódio que alterara os rumos de minha jornada como leitora. Recordo claramente, no meu primeiro dia, na primeira aula de literatura, do poema "Procura da poesia", de Carlos Drummond de Andrade, proferido pela minha mais nova mestra: "Olha e contempla as palavras: elas têm mil faces secretas sob a face neutra (...) e te perguntam (...) trouxeste a chave?". Contudo, não foram somente os belos sons e sensações que ficaram. Com habilidade, minha mestra colocara os versos à luz da compreensão, "desmatando as selvas de minha ignorância", como disse o poeta. O poema me desafiava a procurar as chaves do conhecimento a fim de buscar a essência intrínseca das palavras, ocultas por subjetivas e desafiadoras faces neutras. Parti, portanto, munida de lirismo - e porque não dizer de amor? - à procura das ''chaves de Drummond".
----Após esse acontecimento que ampliara meus horizontes, uma nova literatura mostrou-se diante meus olhos. Viajei por mares nunca dantes navegados, conheci infernos dantescos e paraísos celestiais; fui testemunha da bravura de Peri e de cruéis navios negreiros em espumas flutuantes; vi o realismo de Machado despir os românticos e os modernistas corajosamente quebrando regras senis; senti na pele a rosa de Hiroxima, "sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada"; e até mesmo deparei-me com pedras no caminho. Aprendi que "cabe a mim pontuar minha própria vida". E continuar com o lirismo. Afinal, navegar é preciso.
Redação do vestibular de verão 2009 da UFMS.
C.
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acho que essa precisa de uma assinatura mais completa, né.. Não é qualquer C que faz um texto desses!
ResponderExcluirUm excelente texto!
ResponderExcluirMais impressionante ainda por ter sido escrito em uma prova de vestibular.
Em poucas palavras: apaixonante, tal qual sua escritora.